junho 28, 2006

A Solidão e Sua Porta

(de Carlos Pena Filho)

Quando mais nada resistir que valha
A pena de viver e a dor de amar
E quando nada mais interessar
(Nem o torpor do sono que se espalha)

Quando pelo desuso da navalha
A barba livremente caminhar
E até Deus em silêncio se afastar
Deixando-te sozinho na batalha

A arquitetar na sombra a despedida
Deste mundo que te foi contraditório
Lembra-te que afinal te resta a vida

Com tudo que é insolvente e provisório
E de que ainda tens uma saída
Entrar no acaso e amar o transitório.

O Interrogatório

Acenda o refletor em meu rosto
Até que eu fique cego com a luz brilhante
Amarre minhas mãos à cadeira para que eu não possa reagir
E então extraia de mim toda a minha verdade

Esbofeteie-me se eu resistir
Acerte meu estômago se eu omitir
Pressione-me, aperte-me, pergunte-me
Até eu delatar quem eu sou realmente

Jogue água em meu rosto se eu dormir
Não me deixe hesitar, vacilar ou mentir
Até eu confessar todos os pecados que cometi

Vem, Vida, violenta e brutal
Extrair de mim minha grande e derradeira confissão
Que eu vivo - Réu confesso

(Texto final da minha peça A ARTE, OS AMIGOS, A MORTE E AS MULHERES, ganhadora do concurso da FUNARTE de 1995)

Jogar bonito e perder ou jogar feio e ganhar?

Prefere o primeiro? Então por que é que em 1994 e 2002 foi a maior festa nas ruas e em 1982 ficou aquele clima de velório?

Os Mais Belos Poemas de Amor

Yes Yes
(Bukowski, tradução livre por mim mesmo)

Quando Deus criou o Amor, Ele não ajudou à maioria
Quando Deus criou os cães, Ele não ajudou os cães
Quando Deus criou as plantas, Ele foi assim-assim
Quando Deus criou o Ódio, nós ganhamos uma ferramenta utilitária
Quando Deus me criou, Ele me criou
Quando Deus criou o macaco, Ele estava apagado
Quando Deus criou a girafa, Ele estava de porre
Quando Deus criou as drogas, Ele estava no maior alto astral
Quando Deus criou o suicídio, Ele estava no maior baixo astral

Quando Deus criou você deitada nua na cama
Ele sabia o que estava fazendo
Ele estava de porre e estava doidão
E criou o fogo a água e as montanhas ao mesmo tempo

Ele cometeu seus erros, é verdade
Mas quando Ele criou você deitada nua na cama
Ele gozou por sobre todo seu abençoado Universo


when God created love he didn't help most
when God created dogs He didn't help dogs
when God created plants that was average
when God created hate we had a standard utility
when God created me He created me
when God created the monkey He was asleep
when He created the giraffe He was drunk
when He created narcotics He was high
and when He created suicide He was low

when He created you lying in bed
He knew what He was doing
He was drunk and He was high
and He created the mountians and the sea and fire at the same time

He made some mistakes
but when He created you lying in bed
He came all over His Blessed Universe

junho 21, 2006

Museu de Arte Contemporânea em Niterói


A mostra era de Miró, mas a cena me lembrou (está bem, vagamente) Hopper.

Aniversário do Heitor



Meu pé e Mônika observamos Heitor entretendo uma convidada.
Pra não dizerem que não tem nenhuma foto de mim no blog.

Cadeira Vazia



(letra de Lupicínio Rodrigues)

Entra, meu amor, fica à vontade
E diz com sinceridade o que desejas de mim
Entra, podes entrar, a casa é tua

Já que cansastes de viver na rua
E os teus sonhos chegaram ao fim
Eu sofri demais quando partiste
Passei tantas horas triste
Que nem quero lembrar esse dia
Mas de uma coisa podes ter certeza
O teu lugar aqui na minha mesa
Tua cadeira ainda está vazia
Tu és a filha pródiga que volta
Procurando em minha porta
O que o mundo não te deu
E faz de conta que sou teu paizinho
Que tanto tempo aqui ficou sozinho
A esperar por um carinho teu
Voltaste, estás bem, estou contente
Mas me encontraste muito diferente
Vou te falar de todo coração
Eu não te darei carinho nem afeto
Mas pra te abrigar podes ocupar meu teto
Pra te alimentar, podes comer meu pão.
Em meu sangue corre a poesia
Quando eu me corto, caem letras na rua
formando frases tais como "eu e a poskjaslknçl aks"
Ou "entõa açljçlakjd meu amor lkavak"
Que fazem a delícia de leitores modernos
E pedem para que eu ponha isso no papel.
Eles precisavam ver quando eu ponho:
Quando tenho hemorróidas.

Ressentimento e Tevês de Plasma

Um monte de gente, sabedora que eu sou um nerd fascinado por eletrônica, já veio falar comigo sobre o noticiário envolvendo tvs de plasma - que elas "queimam" e não servem pra ver tevê. Na verdade, essa história toda esclarece mais sobre a alma humana do que monitores iluminados por gases no quarto estado da matéria.

Uma amiga minha, advogada, me chamou a atenção pro assunto desde o começo. Um sujeito comprou uma tevê de plasma, levou pra casa e quando ligou achou que ia já ver a Globo ocupando a tela toda e com alta definição de imagem. É claro que não é assim. Esses monitores têm já o formato da futura tevê digital - futura aqui no Brasil, que lá fora já tem -, ou seja, são mais retangulares e baixos do que a televisão tradicional, que é um retângulo quase quadrado - o comprimento é 1,33 vezes maior do que a altura, enquanto a tela widescreen é 1,85 vezes mais larga do que alta.

Como sou um feliz possuidor de uma tevê widescreen (mas não de plasma), sei perfeitamente o que acontece quando você tenta assistir a Globo nela: a imagem fica deformada, achatada, para caber na tela. Os dois aparelhos assim que já tive tinham também os formatos "intermediários", onde você pode brincar com a forma do que é transmitido ao seu gosto: você pode esticar a imagem a partir do centro, deformando tudo que estiver nos cantos; você pode cortar fora o que está em cima e em baixo da imagem; você pode cortar fora um pouco de cima e um pouco de baixo e deformar um pouco a imagem, ou você pode combinar um pouco de tudo isso.




(Acima, os formatos intermediários da Philco widescreen de 32")

Não creio que as tevês de plasma não tenham esses recursos. Quanto a cortar fora um pouco de imagem, quase sempre assisto a documentários e afins - boa parte deles já são exibidos em widescreen e, para caber na transmissão tradicional, são exibidos com as famosas faixas pretas em cima e em baixo. Usando o formato intermediário que corta fora o que está acima e abaixo, esses programas cabem direitinho na tela.

Claro que se você não quiser absolutamente nenhuma deformação, existe sempre o recurso de assistir no formato tradicional dentro da tela widescreen - quando então a tevê põe faixas pretas dos lados, em vez de em cima e em baixo. O problema é que o tal sujeito que achou que ia ver a Globo já digital ao chegar em casa ficou furioso com isso. Que ele não queria ver nada deformado e nem pequeno - aquelas faixas pretas deixando inúteis 1/3 do aparelho pelo qual ele pagou tão caro! E ainda por cima a tevê ia queimar!

Queimar não é bem o termo. "Marcar" seria mais correto. Assim como se você olhar muito tempo para uma luz forte ela fica na sua retina mesmo depois que você desvia os olhos, uma mesma cor, forte, sempre no mesmo local do monitor, fica marcada na tela. É por isso que videogames antigos, como o Atari ou o Telejogo II, mudavam a cor da tela constantemente. Os mais modernos mudam de fase o tempo todo e não precisam se preocupar tanto com isso, mas as barras de energia, que mantêm sempre a mesma coloração e ocupam sempre o mesmo lugar, podem marcar seu aparelho. E um negro intenso como o da faixa preta pode fazer o mesmo.

Bem, aí é com vocês. Eu uso formatos intermediários para assistir à minha tevê e não me importo nem um pouco. Cortar um pouco em cima e em baixo não é nada comparado a todos os filmes que assistimos cortados dos lados a vida inteira, até aparecer o DVD. Mesmo os seriados que vemos hoje em dia são cortados, já que lá fora a transmissão digital já é uma realidade e os programas são todos filmados já em widescreen. Para assistir aos DVDs anamórficos, não tem coisa melhor. A imagem fica bem maior e envolvente. Esse tipo de tela, aliás, foi desenvolvido justamente para ser mais envolvente. Ao contrário da tela tradicional, que, como é mais quadrada, você assiste somente com o centro da retina, na widescreen também é preenchido parte do campo de visão periférico, dando uma sensação de terceira dimensão, de se estar dentro do filme. É por essa razão que fitas de ação espetaculares são normalmente rodadas em cinemascope, quando a largura é ainda maior em relação ao comprimento: 2,35 vezes maior.

De qualquer forma, o sujeito não sabia nada disso, o vendedor deve ter explicado errado, ele se sentiu logrado e agora as tevês de plasma, e, imagino, as de cristal líquido e mesmo as de tubo que forem widescreen têm que anunciar que os melhores resultados são obtidos com transmissão digital. Mas isso é o de menos. O curioso é que, desde que isso saiu do jornal, umas quatro pessoas já vieram me falar da história. Contentes

Contentes demais. Por quê? Parecem estar ressentidas por não terem uma tevê de plasma. Parecem estar contes porque os felizes possuidores de tal aparelho não são tão superiores a eles. Pelo contrário, são até meio otários. Há um inequívoco fundo de satisfação por ter se destruído um mito cada vez que contam a história.

Ora, raios, ter uma tevê de plasma (e os meios para comprá-la) não torna ninguém superior a ninguém. E o fato de que um sujeito devagar não entendeu para quê ela servia não a torna um brinquedinho menos fascinante. Essa história me lembrou muito a época do Plano Collor, quando o tresloucado presidente mauricinho simplesmente avançou no dinheiro de todo mundo, deixando a gente só com 600 dólares, ou, se tivéssemos guardado mais do que algumas dezenas de milhares de dólares, vinte por cento do que tínhamos.

Como é que esse confisco não provocou revolta imediata, pessoas queimando carros nas ruas e montando barricadas? O dinheiro é uma instituição sagrada mesmo para os menos politizados, mais acomodados e burgueses cidadãos (e cidadãs). O que aconteceu que deixamos tal coisa acontecer? Bem, havia alguns motivos: muita gente votou nele pra não deixar que o Lula vencesse de modo algum e não iria dar o braço a torcer; muita gente estava realmente preocupada com a inflação de 60% ao mês e topava qualquer coisa; muita gente era preguiçosa, principalmente devido à educação insuficiente que este país proporciona. E muita gente era ressentida.

Isso mesmo, ressentida. Uma frase que o porteiro falou gratuitamente para minha mãe (coitada, classe média bem média - nunca viajou para fora do país, durante alguns anos teve uma casa de praia, mas foi obrigada a vendê-la para pagar dívidas, nunca teve carro zero quilômetro) revelava tudo: "eu quero ver agora como é que vai ser a gente tudo com o mesmo dinheiro".

Isso mesmo. Havia uma sensação de que os bacanas haviam se dado mal. O playboy perdeu. Todo mundo estava feliz porque alguém havia sido mais confiscado acima. Estavam todos equalizados. Igualados. Era a vingança.

Na verdade não foi e os bacanas mesmo se deram bem pacas. A inflação continuou e até a classe média ganhava dinheiro no overnight. Collor foi embora e Lula se revelou muito mais confiável para a burguesia do que o Collor. Mas isso é outra história. Assim como o fato de que as tevês de plasma na verdade não têm alta definição, ao contrário das de cristal líquido. Isso ninguém fala. Quando vier a transmissão digital, elas não vão poder tirar o máximo dela. Mas isso fica para outro post.

junho 19, 2006

O Ataque é que traz a torcida para os estádios, mas a defesa é quem ganha os campeonatos (Ditado americano)

Seria realmente o momento supremo do futebol o gol, o tento, a bola estufando as redes servindo como encenação ritualística da lança atravessando o peito de um animal ou inimigo da tribo? Em parte. A comemoração de um gol é uma explosão de alegria e auto-satisfação. É uma epifania, nunca uma catarse. Deixa-nos imersos em bons sentimentos. Não mexe com o lado negro de nossa alma, não nos faz exemplo de dedicação. O gol é a aplicação dos talentos animais - reflexo, agilidade, velocidade - de um homem, enquanto o carrinho que desarma o gol não só impede a satisfação dionisíaca do atacante como nos faz encarnar tudo que nos faz civilizados, seja para o bem ou para o mal - a negação dos instintos básicos de atacar com tudo e deixar a nossa marca em prol do bem maior do time; a dedicação a tarefas que possam parecer desprezíveis mas são fundamentais para o bom funcionamento do todo; a noção de sacrifício e a perseguição ao excepcional, ao fora-de-série para que ele não desorganize todo um sistema.

E, além de tudo, marcar um gol e sair reclamando com os amigos é coisa de chato com problemas, enquanto bicar uma bola pra lateral e sair reclamando com os amigos é coisa de um chato, mas um chato que no fundo tem razão.

Aliás...

... ouvi esses comentários também na Copa das Confederações. Lembra? Após a derrota para o México e o empate com o Japão em seguida? Adriano tinha que ser sacado, os laterais eram uma droga, o time não se mexia, ninguém marcava...

Comentaristas de futebol:

Não me encham o saco. Vocês falavam as mesmas coisas em 94, 98 e 2002.

Bussunda


Desde a primeira vez que o vi na faculdade, com sua famosa camiseta azul "Incest - the game the whole family can play", sabia que ali ia alguém destinado a grandeza. Pelo menos na barriga. Amável, com wit verbal insuperável, só falava duro com alguém quando jogavam no mesmo time e o jogador (como eu) insistia em errar todas as jogadas seguidamente.
Um abraço.
(Na foto: Bussunda Brunet e Humberto Saapo em 1982).

junho 18, 2006

Brasil x Austrália

Já começou gente dizendo que nunca viu o Ronaldinho jogando realmente bem pela seleção (imagino que seja gente que ainda não tinha nascido na Copa de 2002).

Times do Parreira são sempre assim. Percam a esperança, gente: na Copa das Confederações foi a mesma coisa. O Brasil está montado para jogar partidas eliminatórias contra times de expressão. Assim como a Itália, que sempre se enrola quando joga contra retrancas, como os EUA.

Esse tipo de equipe prefere marcação forte e a habilidade dos jogadores deve ser usada de preferência em contra-ataques velozes. O Parreira está prejudicado pela má forma física dos dois atacantes (Adriano está tão mal quanto Ronaldo, com a desvantagem de que não tem técnica - todo seu jogo é baseado no uso de seu corpo grande, forte e rápido; sequer tem uso para perna direita).

Vem outro jogo ruim contra o Japão. Eu apostei no bolão Brasil 2 x 1 Croácia e Brasil 1 x 0 Austrália. Nunca acreditei nessas coisas de 4 x 0, 3 x 0, 3 x 1. Preparem-se porque vai ser como em 2002. Nas oitavas, contra Gana, o jogo ainda deve ser complicado porque o Brasil vai precisar tomar o controle do jogo, mas, se tudo der certo, a partir da quartas, a equipe vai crescer.

E preparem-se: em vez de Robinho, vocês podem acabar vendo é Juninho no lugar de Adriano.

junho 03, 2006

A História da Copa do Mundo - Capítulo XVIII - A Copa de 2002 - É Penta!!! É Penta!!!!

Os capítulos anteriores estão embaixo deste, em ordem decrescente, como sói acontecer em blogs. Leia tudo desde lá do começo e leia a fascinante história da evolução tática e da origem do futebol.


A COPA DE 2002 - A VINGANÇA DE RONALDO

Mesmo em seu período mais negro, no final dos anos 80 e início dos 90, a seleção brasileira sempre foi respeitada e temida. Em qualquer competição, por menos representativo que fosse o time enviado, sempre estaria entre os favoritos. Até 2002. Talvez irritado porque o Brasil continuava sendo sinônimo de futebol bonito no mundo inteiro, embora a França tivesse ganho a Copa do Mundo, a Copa das Confederações e a Copa Européia de Seleções, o atacante Henry declarou numa entrevista: "vamos ser sinceros. Os brasileiros não vão conseguir formar uma equipe competitiva em seis meses, daqui até a Copa".
Os fatos pareciam dar razão ao jogador. Desde que Ronaldinho se contundira, e apesar de Rivaldo ter sido eleito em 1999 o melhor jogador do mundo, a seleção brasileira perdera o rumo nas eliminatórias e tivera pífias atuações na Copa América e na Copa das Confederações, duas competições em que foi representada somente por jogadores atuantes no Brasil. Mas Henry, inebriado pelo recente sucesso, esqueceu que tradição não é algo que se adquire num período de dois ou três anos brilhantes. É resultado de muitas conquistas e dedicação durante décadas e décadas. A Itália mostrara isso ao planeta em 1982. Os canarinhos fariam o mesmo em 2002.

BOX

A Fifa não conseguiu se decidir entre Coréia do Sul e Japão para sede da Copa de 2002. Então dividiu o torneio entre os dois países!!!

A partir de 1995, as eliminatórias sul-americanas mudaram: em vez dos 9 ou 10 times (dependendo se um dos países estivesse automaticamente classificado por ser campeão ou anfitrião) divididos em grupos que jogavam turno e returno, num período de pouco mais de um mês, todos os competidores jogariam entre si, ida e volta. Haveria uma partida por mês e o torneio se estenderia por quase dois anos.
Alguns analistas saudaram essa forma de disputa, acreditando que de tal forma não haveria surpresas, pois os times mais fortes não estariam sujeitos a uma eliminação por uma ou duas más atuações. Outros acharam-na perigosa: as seleções mais fracas, com menos jogadores atuando no exterior, teria mais facilidade para se preparar e treinar. As favoritas teriam que reunir seus atletas na segunda para jogar na quarta e dispensá-los para novo encontro somente dali a um mês. Além do mais, tal tabela daria aos países dos Andes a vantagem da altitude: Bolívia, Colômbia e Equador fariam nove jogos a cerca de 3 quilômetros de altura, sem que seus adversários tivessem a chance de se aclimatarem.
Ronaldo operou o joelho pouco depois de conquistar a Copa América de 1999, sendo inclusive o artilheiro. E isso não bastou para cessarem as críticas ao dentuço. Ele ficaria parado por vários meses, mas o Brasil contava com Rivaldo, então recém-eleito o melhor jogador do mundo e arrebentando no Barcelona, para substituí-lo.
Rivaldo, entretanto, não tinha a personalidade e o estilo de jogo para liderar a seleção. Com a fórmula de disputa escolhida, maus resultados seriam inevitáveis. Mas a torcida esperava que os canarinhos vencessem todo mundo pela frente. Vinham de duas finais de Copa do Mundo e quatro dos seis últimos jogadores eleitos os melhores do planeta. Quando as primeiras derrotas apareceram, o resultado foi previsível: criou-se uma onda de indignação e revolta entre a imprensa e os torcedores.
Tal onda aumentou a cobrança sobre a seleção e seu técnico, o brilhante Vanderley Luxemburgo. Um dos defeitos de Vanderley, porém, era sua vaidade. Frente aos maus resultados, em vez de tentar acalmar os ânimos, acirrou-os ainda mais, o que trouxe piores atuações e novas derrotas. Ele acabou sendo substituído no comando por Leão, cuja passagem também foi desastrosa. O ex-goleiro das Copas de 1970 a 1982 (a primeira e a última como reserva) não conseguiu lidar com as pressões do cargo e em pouco mais de seis meses foi dispensado. Em seu lugar entrou Luiz Felipe Scolari, o Felipão.
O currículo de Felipão é simplesmente impressionante. Com o modesto Criciúma, conquistou a Copa do Brasil. Contratado pelo Grêmio, num time em que os destaques eram Paulo Nunes, Jardel, Carlos Miguel e Émerson, venceu o Campeonato Brasileiro, a Libertadores, o Estadual e novamente a Copa do Brasil. Contratado pelo Palmeiras levou mais uma Copa do Brasil e Libertadores, além de um vice-campeonato brasileiro. Com o Cruzeiro ganhou a Taça Sul-Minas e chegou às semifinais do Brasileirão, quando então foi para a seleção. Tudo isso em menos de dez anos.
Na seleção, pegou logo uma pedreira: o Uruguai, lá no Estádio Centenário. Atendendo aos apelos da nação, convocou Romário. Aos 35 anos o Baixinho saiu do Flamengo e voltou para o Vasco. Marcando gol à beça, a adoração que a torcida tinha por ele cegava-a para o fato óbvio de que os craques cruzmaltinos eram Juninho Pernambucano e Juninho Paulista. Aos 35 anos, o artilheiro não tinha mais a mobilidade e a força para renhidos jogos internacionais, mas ainda era visto como o homem que devolvera a Copa do Mundo ao futebol brasileiro. Precisando de alguém experiente e com autoridade para liderar o time canarinho, Felipão o levou de volta após 3 anos afastado da amarelinha.
O Brasil perdeu o jogo e Romário não jogou bem. Os próximos compromissos verde-amarelos seriam na Copa América. Depois de uma negociação com os clubes europeus, a CBF desistiu de convocar jogadores estrangeiros. Somente atletas de clubes do Brasil estariam disponíveis. Felipão chamou o Baixinho. O artilheiro pediu dispensa, alegando que faria uma cirurgia para correção de miopia. A seleção foi para a competição e teve péssimas atuações, perdendo para o México e sendo eliminada por Honduras, por 2 x 0.
Romário na verdade havia aproveitado a pausa no calendário brasileiro para tirar férias. Não fez cirurgia nenhuma. Jamais seria convocado novamente. Mais tarde, o Baixinho diria em entrevistas que incorrera na raiva do treinador quando, no vôo de volta do Uruguai, ficara namorando uma aeromoça. Não queria admitir seu vacilo. Foi o fim de sua carreira internacional.
Mal e mal o Brasil se classificou para a Copa. Depois de sua recuperação, Ronaldo voltou aos gramados e sofreu nova contusão, precisando de nova cirurgia que o deixou mais um ano parado. Muitos já diziam que ele não teria condições de voltar a jogar bola. Mas Felipão e a comissão técnica apostaram que ele conseguiria e traçaram sua estratégia toda em torno dele.
Tentando retomar a carreira, Ronaldo chegava a treinar 10 horas por dia, enquanto jornalistas mal informados declaravam que ele estava apenas tentando iludir os torcedores. No começo de 2002 ele voltou cautelosamente aos gramados. Felipão convocou-o para todos os amistosos da seleção.
Apostando no Fenômeno no ataque, a próxima preocupação de Felipão foi com a defesa. O Brasil continuava dependente da subida de seus laterais para abrir as defesas normalmente fechadas que enfrentava. Mas isso expunha em muito a zaga, mesmo recheando o meio-campo com cabeças-de-área. O treinador então resolveu ressuscitar o 3-5-2 de Lazaroni, pondo um líbero atrás dos beques e dando mais liberdade a Roberto Carlos e Cafu.
O esquema não trazia boas lembranças e Felipão foi previsivelmente alvo de críticas. A seu favor, contava com a familiaridade que os laterais brasileiros tinham com a tática, depois de anos na Europa. Mas ele evitou incorrer nos erros de seu antecessor. Ao contrário de Lazaroni, ele usou apenas um volante de contenção na meia-cancha, adicionando um apoiador, Juninho Paulista, e dois meias-atacantes, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho. Na prática, seu 3-5-2 era um mal-disfarçado 3-4-3 e o único verdadeiro atacante seria Ronaldo Fenônemo. Por isso o dentuço era tão importante. Ele teria que se desdobrar e com seu imenso talento valer sozinho por toda uma linha de ataque.
Os favoritos absolutos para a Copa eram os franceses. Como já dito, eles tinham ganho tudo que podiam. Zidane estava no auge da forma e organizava o meio-campo e o ataque gauleses com uma absoluta clarividência. Junto com eles estavam os argentinos, que tinham disparado na ponta nas eliminatórias sul-americanas. Com o reforço de Verón e Batistuta e o moderno esquema de Bielsa, os portenhos não tinham dúvidas que conquistariam o tricampeonato. Mas Ortega continuava sendo a estrela da companhia. Os portugueses tinham disparado várias goleadas em amistosos e nas eliminatórias. Seu ataque era alimentado por Figo, eleito o melhor jogador do mundo na temporada de 2001. Os ingleses, como sempre, achavam-se os melhores. Consideram Beckham o melhor do mundo e ainda tinham os zagueiros Rio Ferdinand, Sol Campbell e o habilidoso Owen. A Itália vinha com mais um time defensivo e sua tradição.
De tradição quem entende mesmo é a Alemanha, mas ninguém dava a menor bola para eles. Não haviam conseguido renovar seu time. Depois que a geração de 1990 abandonou os gramados ninguém ocupara seu lugar. Era o Patinho Feio dentre os eternos candidatos ao título, ao lado do Brasil.
Ninguém imaginava que aquela Copa deixaria o mundo do futebol de cabeça para baixo. E não só por ser jogada do outro lado do globo.
A França estreou contra o Senegal. Uma semana antes do Mundial, Zidane sofreu uma distensão. A contusão do estresse. Certamente toda a pressão para ser a estrela da Copa pesou nos ombros do genial apoiador. Mas ainda estavam em campo Henry, Trezeguet, Djorkaeff, Desailly, Lizarazu e Thuram. Eles perderam um gol, depois outro... Trezeguet mandou uma bola na trave e saiu sorrindo. Foi castigado junto com todo o time num contra-ataque em alta velocidade aos 29 minutos. O driblador ponta Diouf chegou à linha de fundo, cruzou, o goleiro Barthez falhou e os africanos fizeram 1 x 0. Aquele velho roteiro, "favorito perde a cabeça, se desespera e não consegue reagir", reapareceu e "les bleus" começaram com derrota. No outro jogo da chave os dinamarqueses, renovados com um futebol de força física e correria, venceram os decadentes uruguaios.
A segunda rodada seria ainda pior. Dinamarca e Senegal empataram. O gol africano foi uma maravilha: recuperando uma bola dentro da área, em apenas 8 toques dados por 5 jogadores eles marcaram seu gol. O resultado deixava franceses e uruguaios precisando vencer.
Nervosos por recuperar seu favoritismo, os franceses se afobaram com a retranca uruguaia. O falastrão Henry perdeu a cabeça, fez uma falta feia e foi expulso. O Uruguai manteve-se cauteloso. Preferiu não arriscar e resolver sua sorte contra os senegaleses.
Os uruguaios tomaram 3 gols no primeiro tempo. Voltaram para o segundo para o tudo ou nada. Os africanos simplesmente "desligaram". Acreditaram que já tinham resolvido sua vida na primeira fase e ficaram olhando os sul-americanos, que precisavam da vitória, jogar. O Uruguai fez um, dois... e a 3 minutos do fim empatou. Os senegaleses entraram em pânico. No último lance da partida o goleiro rebateu uma bola para o alto. Morales, completamente livre na pequena área, meteu a cabeça... para fora. Depois de tão bela reação a Celeste estava mais uma vez fora da Copa logo no princípio.
Os franceses entraram contra a Dinamarca precisando ganhar por dois gols de diferença. A volta de Zidane foi antecipada. O apoiador jogou fora de condições e afora dois lampejos, nada conseguiu fazer. Lembrando o Brasil em 1966 inclusive na contusão de seu craque, os campeões do mundo deram adeus ao sonho do bi com um 2 x 0. Em 3 jogos fizeram apenas um ponto e nenhum gol.
Mas houve outra brilhante reação sul-americana que funcionou. Numa chave com os espanhóis, os eslovenos e os sul-africanos, a Fúria não teve dificuldades em se classificar. O Paraguai, com os envelhecidos Gamarra e Arce, precisava fazer 2 gols contra a Eslovênia para avançar. Sofreu um no final do primeiro tempo. Cuevas entrou aos 16 da segunda etapa. Empatou o jogo 3 minutos depois. Aos 27 Jorge Campos pôs os paraguaios em vantagem e, aos 38, Cuevas fez um golaço e classificou seu time.
A Itália começou sua participação com 20 minutos fabulosos contra o ingênuo Equador. Depois ficou só se poupando para pegar a Croácia. Foi quando seus problemas começaram. Os croatas haviam perdido do México e precisavam ganhar. É o tipo de adversário que os reis do contra-ataque adoram pegar pela frente. E saíram na frente, fazendo 1 x 0 aos 11 minutos. Mas a Azzurra teve um gol anulado. Aos 27 Olic empatou e, aos 35, num golaço, meio sem querer, Rapaic virou. Os italianos ainda tiveram outro gol mal anulado.
O resultado levou a um jogo de compadres entre México e Itália na última rodada, que classificou os dois com um 1 x 1. Mas os problemas da Azzurra com a arbitragem ainda piorariam muito.
A Alemanha e a Irlanda empataram e eliminaram Arábia Saudita e os novamente decepcionantes camaroneses, mesmo com Eto'o. Os alemães mostraram um futebol sem brilho, um goleiro, Kahn, firme, e golearam os árabes por 8 x 0, com 5 gols de cabeça de Klose. O placar dilatado não veio de uma grande exibição germânica, mas porque, assim como os tubarões não podem parar de nadar, sob a ameaça de morrerem afogados, os teutônicos simplesmente não podem parar de correr-cruzar-finalizar. Eles simplesmente não sabem como tocar a bola e cozinhar o adversário.
Japão e Bélgica despacham a Rússia e a Tunísia. O outro micaço da Copa foi o de Portugal. Estréiam tomando 3 dos americanos, que exploram as bolas altas, fraqueza da zaga lusitana. Exibindo atletas realmente preparados, com disciplina tática e boa organização, os vizinhos do Norte exibem a sua primeira geração que realmente cresceu jogando futebol, ao contrário dos times anteriores, feitos de descendentes de imigrantes e naturalizados. O rápido e perigoso Donovan é um atacante mortal. A seleção dos EUA chega a abrir 3 x 0, mas uma catastrófica atuação do zagueiro Jeff Agoos, que faz um pênalti infantil e um gol contra, quase entrega o ouro. Os lusos perdem por 3 x 2.
Tentando se recuperar, os portugueses fazem 4 nos poloneses. Os donos da casa empatam com os americanos, depois de fazer 2 x 0 nos polacos. Já vão longe os tempos de Lato, Zmuda e Boniek. Os lusos têm que vencer os coreanos para se classificarem.
Entram nervosos. O favoritismo indo por água abaixo os deixa irritáveis. João Pinto leva logo um amarelo. Em outra entrada é expulso. A arbitragem é inclemente com a violência contra os anfitriães. Nem tanto quando são eles que fazem as faltas. Aos 20 do segundo tempo, outro cartão vermelho para os portugueses. Eles ainda lutam, ingloriamente. Não há mais esquema tático ou organização. Park Ji-Sung, no meio da atabalhoada defesa adversária, faz um golaço, dando um balãozinho e chutando. Surpreendentemente, os poloneses fazem 3 x 1 nos americanos. Com esse placar, se os lusitanos empatarem ainda conseguem avançar. Figo manda uma cobrança de falta raspando o poste. Pauleta manda uma na trave. O juiz apita o final. O segundo dos 3 principais favoritos cai ainda antes das oitavas-de-final.
E o terceiro também. A Argentina começa bem, contra a Nigéria. O time ainda tem por base aquele de 1994. Se em 1998 já faltava pernas aos africanos, em 2002 eles se arrastam no gramado. Os portenhos dão um banho de bola, mas o gol não sai. Só vai sair numa bola parada, Batistuta mete a cabeça e faz seu 11o. gol em Copas. A torcida em casa não só espera o tricampeonato como também que seu atacante faça pelo menos cinco tentos e seja o maior goleador da história dos Mundiais. O excesso de confiança é perigosíssimo. O time mostra belo futebol, mas tem dificuldade em aproveitar as oportunidades. O que pode ser fatal no Grupo da Morte, pois os outros 2 contendores são Inglaterra e Suécia, duas boas equipes.
A Inglaterra empata com a Suécia e, depois de duas derrotas seguidas, enfrenta novamente a Argentina, que entra em campo cheia de empáfia. Beckham quer se redimir de sua expulsão no confronto da Copa anterior. Faz uma de suas melhores partidas. Recua para a lateral-direita, atrai a marcação e de sua perna direita saem lançamentos precisos e perigosos para o ataque britânico. A marcação sob pressão sufoca os sul-americanos, que não estavam preparados para tão dura oposição. Achavam que sua superioridade bastaria. Mas os bretões perdem chances. O placar não sai do zero. Finalmente Owen escapa mais uma vez da marcação, depois de outro belo lançamento de Beckham e dribla Ayala, que faz falta no atacante baixinho. Pênalti. Beckham bate no meio do gol e converte. Declarará depois, em entrevistas, que foi "o pé de Deus".
Começa o segundo tempo. Os ingleses, cansados, não têm condições de manter a marcação sob pressão. Recuam para seu próprio campo. Os argentinos pressionam. É a vez deles sufocarem os europeus. Mas não conseguem penetração. Seus atacantes não têm objetividade. Sorín é quem descola algumas oportunidades, que são desperdiçadas. Beckham já não corre tanto e seus lançamentos precisos saem com menos frequência. Mas os portenhos não aproveitam. Num contra-ataque Sheringham manda um belo chute que não entra. Nada mais acontece de importante. Ortega não consegue produzir nada em partidas duras. O resultado deixa os argentinos na obrigação de vencer os suecos.
E os nervos os traem. Caniggia, inesperadamente convocado depois de todos os problemas em 1994, ignorado em 1998, é expulso do banco de reservas. É o único jogador da história das Copas a receber um cartão vermelho sem jogar. Os argentinos dominam completamente o jogo. Os suecos não passam do meio-campo. Mas novamente Ortega não consegue comandar a penetração na área adversária. Bielsa armou um time que usa mais os laterais do que os apoiadores para atacar, mas cruzamentos são inúteis contra uma defesa consideravelmente mais alta. A Europa ainda produz atletas fisicamente mais fortes.
Começa o segundo tempo. Numa das raríssimas vezes em que passam do meio-campo, os europeus conseguem uma falta de longa distância. A cobrança passa perto da trave. Os portenhos prosseguem pressionando. Tanto que deixam a defesa aberta e têm que parar outro contra-ataque com falta. Também de longe. E dessa vez o chute é perfeito, aos 14 minutos. Começa a se desenhar uma tragédia para quem veio levantar o tricampeonato e ter o maior goleador da história. Estranhamente para quem precisava da vitória, Bielsa troca Batistuta por Crespo. Um atacante por outro, em vez de deixar os dois juntos. El Loco justifica o apelido.
A Argentina se desespera e se abre para os contra-ataques. Aos 42 minutos a Suécia manda uma bola na trave. Aos 43 Ortega, driblando e driblando sem objetividade, tem uma ajuda da defesa para produzir uma chance de gol. Um beque tenta lhe roubar a bola e faz pênalti completamente desnecessário. O Burrito cobra e nem assim consegue fazer o gol. Crespo, que havia invadido a área antes do chute, pega o reboete e empata. Os portenhos pressionam nos minutos finais sem nada conseguirem. Estão eliminados. Crespo chora. Batistuta, antes da Copa, numa entrevista, só conseguira lembrar de Inglaterra e Nigéria como seus adversários. Completou dizendo "e aquele outro time lá". O "outro time lá" transforma um gigantesco favoritismo numa derrocada ridícula e fenomenal.
Tão fenomenal quanto Ronaldo. Na primeira fase, depois de praticamente 2 anos parado, ele faz 4 gols. A estréia contra a Turquia foi duríssima. Os turcos entram marcando sob pressão e correndo em contra-ataques. O Fenômeno perde um gol. Rivaldo dá uma cabeçada certeira, mas o goleiro otomano é elástico, com reflexos e colocação sensacionais. Rustu seria um dos 3 grandes arqueiros da Copa, ao lado de Friedel, dos americanos e Kahn, escolhido o melhor jogador do Mundial. Juninho Paulista, que deveria fazer a articulação no meio-campo, prende demais a bola, carrega-a demais, dribla demais. Ricardinho ou o ausente Juninho Pernambucano cairiam como uma luva para fazer a saída de jogo, mas Felipão deixa-o em campo. Mais uma vez serão os laterais, agora verdadeiros alas, que ligarão a defesa ao ataque.
No final do primeiro tempo, num contra-ataque, o excelente Hasan Sas entra pela esquerda e chuta cruzado. O Brasil vai para o intervalo perdendo de 1 x 0. Os piores temores da torcida parecem se confirmar.
Mas o Brasil volta melhor. Se por mais não fosse, pelo cansaço dos turcos, que não aguentam manter mais a pressão do primeiro tempo. Tentam recuar para segurar o resultado e só avançar em contra-ataques. Mas logo aos 3 minutos Rivaldo cruza da esquerda para Ronaldo abrir o placar e recomeçar seu caminho para a glória como se fosse personagem de um melodrama barato de Hollywood.
O Brasil pressiona bastante e perde chance em cima de chance. Rustu é magnífico. O Fenômeno cansa. Ainda não está em boas condições. Sai aos 28 minutos. Entra Luisão, que rouba uma saída de bola turca e avança. É derrubado perto da área. O juiz inexplicavelmente marca pênalti e acertadamente expulsa o beque, que era o último jogador entre Luisão e o gol. Os turcos reclamam, o erro é gritante demais. Mas de nada adianta. Rivaldo cobra com sua precisão implacável e o Brasil vira o jogo.
Não era a estréia que os torcedores desejavam, mas depois de temerem ficar de fora do Mundial ou não passar da primeira fase, o resultado é bom. A opinião nas ruas é de que o time foi bem, se recuperou bem no segundo tempo e mostrou potencial. A imprensa não concorda. Ignora a perfeição da marcação sob pressão turca. Alguns comentaristas dizem que os turcos são tão ruins quanto os árabes que tomaram de oito da Alemanha.
Os outros 2 jogos são treinamentos de luxo. A China cai de 4. Os quatro "R"s fazem gol. Roberto Carlos numa violenta cobrança de falta e Ronaldinho Gaúcho de pênalti. A boa notícia é que a penalidade foi sobre o Fenômeno, depois de uma caracteristica jogada sua, dando uma quebra de asa sobre a defesa para penetrar sozinho. O 4 x 0 garante o primeiro lugar do grupo. Felipão resolve escalar um time reserva. Os titulares reclamam, deram duro nos 2 primeiros confrontos e querem participar da moleza. Mas Felipão não é Zagallo e não repete 1998. Apenas Juninho e Rivaldo, para melhorar o entrosamente, e Ronaldo, para melhorar a forma, jogam. A partida é uma festa. Cinco a dois.
O próximo jogo é contra a Bélgica. É a pior apresentação brasileira. Mais uma vez a marcação sob pressão paralisa o meio-campo canarinho. Juninho Paulista não consegue entender que precisa tocar a bola antes de perdê-la para a defesa, que não conseguirá driblar todo mundo entre as duas intermediárias. Os belgas chutam seguidamente para o gol de Marcos, que faz boas defesas; nenhuma milagrosa, mas mostra firmeza.
O último lance do primeiro tempo é o mais controvertido. A bola é levantada na área brasileira. O excelente atacante Wilmots corre até Roque Júnior e o desloca por trás. O juiz apita na hora em que o zagueiro brasileiro se curva e quase cai. A bola é cabeceada pelo belga e entra. O gol é anulado. Questão de interpretação. Outros árbitros não dariam a falta, mas a Copa na Ásia é cheia de controvérsia na arbitragem. Essa está longe de ser das maiores. Wilmots dirá depois que o juiz pediu-lhe desculpas pelo erro.
A seleção não volta melhor no segundo tempo. Continua o sufoco. O Brasil não consegue criar nada. Juninho Paulista sai, mas entra Denílson, outro que quer driblar todo mundo e não solta a bola.
Então um garoto de 21 anos que vinha jogando discretamente resolve começar a brilhar. Ronaldinho Gaúcho dribla dois pela direita e mete uma trivela para Rivaldo. O atrapalhado Denílson tenta cabecear e quase corta o cruzamento. Rivaldo mata a bola no peito com categoria, gira e ajeita para o seu mortífero pé esquerdo. O chute desvia no pé de um zagueiro e acaba com qualquer chance do goleiro. Aos 21 minutos do segundo tempo, sem fazer nada para merecer aquele resultado, o Brasil sai na frente.
Os belgas se desorganizam. Sabem que os jogadores brasileiros são melhores tecnicamente. Esperavam abrir vantagem e segurar o resultado, agora, exaustos depois de tanto se dedicarem à marcação, não têm forças para empatar. No final do jogo entra Kléberson. Depois de vários lançamentos para Denílson pela esquerda que não dão em nada porque o atacante teima em partir para o drible, Kléberson mostra como se faz. Recebe uma bola pela direita, avança, espera chegar o marcador e, em vez de tentar a finta, rola para Ronaldo chutar errado. Mas a sorte está com os canarinhos, a bola passa entre as pernas do goleiro. Dois a zero. O resultado é bom, mas a atuação não foi nada convincente. Os ingleses estã presentes no estádio. Fizeram brilhante exibição na véspera e eliminaram os dinamarqueses fazendo 3 x 0 em meia hora. Contaram com o pé direito de Beckham em bolas paradas e o goleiro da Dinamarca para ajudar. Um jornal inglês estampa a foto de Beckham assistindo ao jogo, chupando um pirulito, sob a manchete "Isso é tudo que vocês têm para mostrar?"
Os americanos, depois da derrota para os polacos, se reorganizam e enfrentam o confiante México. Um jogo de contra-ataques rápidos faz 2 x 0. O primeiro gol inclui um drible de meia-lua e um toque de calcanhar. O goleiro Friedel impede qualquer tentativa de reação. Os mexicanos, durante décadas senhores absolutos do futebol na CONCACAF sofrem sua terceira derrota seguida para os vizinhos do norte, que começam a ser melhores do que ele até no esporte de que eles tanto gostam.
Os alemães, em mais um jogo chato, fazem 1 x 0 quando os paraguaios já se preparavam para a prorrogação. Mais um cruzamento para a área os pôs em vantagem. Espanha e Irlanda vão para os pênaltis e os espanhóis prosseguem graças a Casillas, o esplêndido goleiro do Real Madrid. A Turquia tem pela frente um dos anfitriães, o Japão. Empurrados pela torcida, os nipônicos querem uma boa vitória. Enfrentem a duríssima marcação otomana e num escanteio tomam um gol. Estão fora logo nas oitavas-de-final.
Suécia e Senegal fazem um jogão. A objetividade dos suecos é a contraparte do jogo de toque, habilidade e desorganização tática dos africanos. O técnico francês ensinou seus jogadores a recuar para ajudar, mas não conseguiu incutir-lhes o senso de marcação e disciplina. Numa bola parada tomam o primeiro gol. Empatam em belo chute de Camara. A decisão virá na prorrogação. Os escandinavos têm uma grande chance: O atacante faz uma das mais belas jogadas da Copa, girando com a bola sobre a zaga adversária, mas a conclusão encontra a trave. Num contra-ataque os senegaleses garantem a vaga nas quartas-de-final.
Coréia e Itália protagonizam a mais controvertida partida nas oitavas. A disposição dos asiáticos se estampa num enorme cartaz no estádio: "Coréia 5 x 0 Azzurra. Porta do Inferno. Túmulo dos Gigantes. Lembra de 1966?", esta última referência à eliminação pelos norte-coreanos na Inglaterra.
Logo no começo o juiz equatoriano Byron Moreno marca um pênalti contra a Azzurra. O coreano realmente foi seguro pela camisa, mas num daqueles lances de agarra-agarra normalmente ignorados em cobranças de escanteio. Mas tudo acaba bem para os europeus: a cobrança é desperdiçada. E num córner Vieri faz 1 x 0.
Os sul-coreanos partem para cima. Criam chances, mas dão espaço para os contra-ataques da Azzurra. Nas divididas o juiz normalmente marca falta a favor dos anfitriães. Os italianos vão se enervando. Perdem gols fáceis. A 2 minutos do fim, sentindo a pressão, Pannucci, completamente sozinho dentro da área, tenta rebater um cruzamente despretensioso e erra. Não só isso. Ainda mete a mão na bola e cai, enrolado nas próprias pernas. Seol Ki-Hyeon não tem nada a ver com isso, pega o presente e empata. Mais uma prorrogação.
Vieri perde dois gols feitos. Totti dribla um zagueiro na área e é derrubado num lance discutível. O juiz não só não marca pênalti como ainda expulsa o atacante italiano, achando que sua queda era uma simulação para forçar a marcação do penal. O técnico italiano, Trapattoni, soca o banco de reservas, furioso. Alguns minutos depois o árbitro aumenta a má vontade da Itália para com ele: anula por impedimento um gol legítimo da Azzurra.
Sob tanta pressão e com os nervos à flor da pele, os italianos falham em outro cruzamento. A Coréia repete o feito de seus irmãos do norte e elimina os tricampeõs do mundo.
Ahn Jung-Hwan, o autor do gol do desempate, joga num clube da Itália. É dispensado. A imprensa italiana descobre que logo depois do Mundial, o juiz Byron Moreno se aposentou, depois de subitamente liquidar todas as suas muitas dívidas de jogo. Mas aquele não seria o último jogo com arbitragem controvertida a favor da Coréia.
Contra os espanhóis, depois de um 0 x 0 no tempo normal nas quartas-de-final, eles têm novamente a ajuda da arbitragem. Um cruzamento perfeito na prorrogação acaba em gol para a Espanha. O juiz anula, alegando que a bola saiu pela linha de fundo antes de ser levantada na área. O replay tira qualquer dúvida: ela nem ao menos começou a sair, muito menos ficou com toda sua circunferência fora do campo. Nos pênaltis os donos da casa ganham uma surpreendente vaga nas semi-finais. Os senegaleses esbarram na seriíssima seleção da Turquia. Até então os africanos recuavam todos e jogavam no contra-ataque. Mas os turcos simplesmente não querem atacar e não dão espaços. O jogo é arrastado. Na prorrogação, depois do 0 x 0, os otomanos têm mais condição física e marcam o gol da morte súbita. O time mais disciplinado taticamente, com uma esplêndida marcação sob pressão que fecha os espaços do adversário, ganhou vaga na semi-final.
Os americanos começam bem contra a Alemanha. Em boa jogada, Donovan entra sozinho contra Kahn. O atacante é de um time sem tradição e está estreando em Copas. Talvez nunca mais vá tão longe no torneio. O goleiro alemão parece crescer na frente dele. Ele hesita entre driblar e chutar e não escolhe nenhum dos gols. Perde a melhor chance estadunidense.
Em uma cobrança de falta, um chuveirinho alemão encontra a cabeça de Ballack, o melhor jogador germânico. Com 1,90 de altura e habilidoso como um sul-americano, ele é quem empurra o time medíocre rumo às semi-finais. Mas ainda haverá mais um lance controvertido de arbitragem. Numa cobrança de escanteio uma cabeçada americana passa da linha de gol. O zagueiro alemão a tira de dentro da meta com a mão. O juiz não dá nem o gol e nem o claríssimo pênalti. Os desacreditados teutônicos estão em mais uma semi-final, depois de 2 Copas de ausência. Muito, para seus padrões.
Brasil x Inglaterra fazem o que muitos consideram uma final antecipada. São disparados os dois times mais fortes da competição. Felipão tirou Juninho Paulista. Desistiu de tentar ensiná-lo a soltar a bola mais rápido. Em seu lugar entra o volante de contenção Kléberson. Apesar de menos habilidoso que Juninho, ele sabe tocar a bola e combate bem melhor. O meio-campo brasileiro finalmente se organiza e articula bem as jogadas. A defesa, antes exposta, torna-se firme e segura.
Os ingleses temem a amarelinha, como de resto todo mundo. Optam por não tentar a marcação sob pressão que paralisou os argentinos. Não querem se arriscar a dar espaço para os lançamentos de Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, que estão longe da improdutividade de Ortega. Recuam para seu meio-campo para fechar os espaços. Uma tabela Fenômeno-Rivaldo acaba em boa chance. É a única oportunidade brasileira. Um lançamento longo errado dos britânicos cai no pé de Lúcio. O zagueiro brasileiro hesita entre rebater a bola ou driblar Owen, que vem correndo atrás, e armar uma jogada. Quando se decide por essa última, Owen já lhe tomou a frente. Sozinho com Marcos, o atacante abre o placar.
O Brasil fica momentaneamente perdido em campo. Os ingleses conseguem uma cabeçada perigosa e começam a dominar o jogo. Mas vai se aproximando o intervalo e os britânicos estão exaustos de tanto correr atrás da bola em sua implacável marcação. Os brasileiros estão cheios de motivação. Felipão sempre soube incutir ânimo guerreiro em seus comandados. Já nos descontos, uma bola alta vai saindo pela lateral esquerda na defesa verde-amarela. Beckham vê que Roberto Carlos e Gilberto Silva, que vem fazendo uma esplêndida Copa, estão no lance. Beckham salta, esperando que os dois se enrolem todos, mas Roberto Carlos consegue evitar a saída da bola. No meio-campo Kléberson também precisa dividi-la com um apoiador bretão. Ela sobra no pé de Ronaldinho Gaúcho. Com espaço. Ele arranca desde o círculo central, deixa um zagueiro caído, protege e, quando chega na entrada da área, os beques são obrigados a lhe dar combate. Ele abre para Rivaldo, lembrando Maradona e Caniggia em 1990. O craque canarinho só dá um toque preciso, do bico da área. A Inglaterra recebeu um presentão e nem assim conseguiu levar a vantagem para o vestiário. O English Team começa a perder a moral.
Na volta a campo o Brasil é melhor. Aos 5 do segundo tempo há uma falta de longa distância na lateral-esquerda inglesa. Ronaldinho Gaúcho, em exibição de gala, manda a bola fazer uma curva, encobrir Seaman e morrer no ângulo superior direito do gol. Ela obedece, apaixonada. Os ingleses, acostumados a um futebol de corre-cruza-finaliza, alardeam que foi sem querer. Os franceses, acostumados a ver o novo dentuço no Paris Saint-Germain, tecem loas a mais uma belíssima estripulia do craque. Ele comemora gritando com o banco "eu não disse, eu não disse?". Cafu o havia avisado que Seaman jogava adiantado.
Mas Ronaldinho fica tão entusiasmado que divide uma bola com excesso de vontade e é expulso aos 11 minutos. Ele não tinha levado nem cartão amarelo ainda. O Brasil perde seu principal jogador na partida. E ainda faltam 34 minutos. Conseguirão os canarinhos segurar o placar?
Sim. Nesse momento aquele time alvo de tantas críticas, que muita gente temia que nem passaria pela primeira fase, que perdeu completamente a cabeça nas eliminatórias, dá uma demonstração impressionante de maturidade e calma. Em vez de recuar todo para seu próprio campo, rezando para que o tempo passasse logo, os jogadores usam sua habilidade superior para trocar passes no ataque. Não criam oportunidades, mas negam aos britânicos a vital posse da bola. Um jornal inglês explicaria mais tarde que "os brasileiros são mestres em gastar o tempo legalmente". A Inglaterra não cria nenhuma chance. Rivaldo é que desperdiça um contra-ataque. Ele e Edílson, que havia entrado no lugar do cansado Ronaldo, têm apenas um zagueiro pela frente. Rivaldo prefere o drible e perde o lance.
Mas não faz diferença. Os ingleses não conseguem tirar nenhuma vantagem de sua superioridade. Beckham mostra que ainda não tem nervos para ganhar uma Copa, como em 1998. Atira-se bisonhamente na área brasileira duas vezes e reclama escandalosamente com o juiz. Se fosse um sul-americano teria levado cartão. Kléberson deu o equilíbrio que o meio-campo precisava. O jogo acaba sem que o English Team tivesse uma única chance clara de gol em mais de 35 minutos com um homem a mais. O Brasil que tinha um ataque mortífero mostra que sua defesa finalmente está pronta também. Dos 4 times que restaram é o absoluto favorito. De seus adversários, os mais próximos de uma ameaça são os alemães, com a força de sua tradição.
E contra a Coréia os germânicos fazem outro 1 x 0. Desta vez não há arbitragem para ajudar os anfitriães e em nenhum momento alguém acredita que eles consigam vencer os eficientes alemães. Mas estes perdem Ballack. Um cartão amarelo o tira da final. O Brasil navega rumo ao título em mar tranquilo. Só tem que passar outra vez pela Turquia.
Os turcos querem a vingança pelo jogo de estréia, quando foram prejudicados por um grotesco erro de arbitragem e jogaram muito bem. Mas embora alardeiem que não temem os brasileiros, sabem que eles melhoraram muito desde aquela primeira partida. E os otomanos não têm nada de novo a apresentar, só seu magnífico goleiro e sua marcação implacável.
Ela complica o jogo no primeiro tempo. O Brasil tem poucas chances, mas boas. Todas elas trombam com Rustu. A melhor é uma bola que Ronaldo abre para Cafu na lateral-direita, lembrando o último gol da Copa do México em 1970. Mas Cafu parece não ter visto aqueles vídeos e em vez de entrar chutando, domina a bola, perde o ângulo e dá chance para o arqueiro turco. Pelo menos desta vez os otomanos não ameaçam a meta canarinho. Segura na defesa, a seleção faz praticamente um treino de ataque contra defesa.
Os brasileiros não têm Ronaldinho Gaúcho, mas o meio-campo continua equilibrado com Kléberson. E é ele quem começa uma jogada já no segundo tempo pela ponta-esquerda. Toca para o Fenômeno, que protege a bola entre quatro zagueiros, avança até a quina da área e dá um biquinho com o pé com que avançava. Chuta fora do tempo. Ninguém entende direito como saiu aquela finalização. Nem Rustu. O tiro inesperado finalmente vence o grande goleiro otomano, que fez defesas bem mais difíceis, mas em lances previsíveis. Mas Ronaldo é um craque capaz de tirar um gol do nada.
Com uma vantagem de 1 x 0 e senhor absoluto das ações, a seleção começa a perder chance em cima de chance. Poderia ter disparado uma goleada, mas Luisão entra no lugar de Ronaldo, afobado para fazer seu nome e perde muitos gols. Não são necessários. A defesa não tem trabalho. O juiz dá o apito final. O Brasil vai fazer sua terceira final de Copa seguida, igualando o feito da Alemanha entre 1982 e 1990. Pela primeira vez os dois maiores vencedores de Mundiais vão se enfrentar. Fazendo jus à sua tradição, direto na final.
O Brasil entra como favorito absoluto. Os alemães têm uma equipe medíocre e perderam seu único craque. Seu goleiro é a estrela maior. Disputa com Ronaldo o título de melhor da Copa. Mas os brasileiros mantêm a maturidade demonstrada contra a Inglaterra. Estiveram um bom tempo por baixo, sob críticas. Conservam a humildade. Felipão, além de excelente estrategista, é brilhante psicólogo. A seleção sabe que terá que correr e lutar para construir um resultado. Sabe que sua superioridade teórica não lhes dará sozinha a vitória. Hungria e Holanda demonstraram o preço a pagar para aqueles que menosprezam a Alemanha. Mas os canarinhos demonstrarão que países cujo nome não começa com "h" conseguem levar o título contra os germânicos.
O primeiro lance do jogo mostra como ele se desenrolará: os alemães atrasam a jogada do meio-campo para Kahn. Não se arriscam no ataque. Os brasileiros têm menos posse de bola, mas quando a têm ficam na cara do gol. Ronaldinho Gaúcho, depois de ficar de fora na semi-final, tem uma atuação brilhante. Quem diz que ele nunca jogou na seleção o que joga no Barcelona esquece da Copa de 2002. Dois lançamentos do novo dentuço põem o velho dentuço frente a frente com Kahn. Mas o Fenômeno está nervoso e o arqueiro alemão sai bem em ambas as vezes.
Mas todo o time joga bem. Kléberson arranca do círculo central e da entrada da área chuta rente à trave. Em outra jogada de Ronaldinho Gaúcho, Kléberson manda a bola no travessão. Roberto Carlos cruza e da marca do pênalti o Fenômeno completa em cima de Kahn. Acaba o primeiro tempo. O Brasil criou excelentes oportunidades e mandou no jogo, mas não abriu o placar.
No segundo tempo os alemães têm sua única grande chance. Numa cobrança de falta lá de longe Neuville enche o pé. Marcos diria depois do jogo que só foi na bola para aparecer na foto. Confessaria que não tinha a menor idéia de que Neuville fosse um chutador tão bom. Mas se estica todo e consegue tocar a redonda com a pontinha dos dedos. O suficiente para ela desviar-se alguns milímetros, bater na trave e sair. Kahn seria o melhor da Copa, mas essa foi eleita a melhor defesa do torneio.
Os brasileiros cansam. Perdem um pouco de ânimo. Têm as melhores chances, mas os alemães têm mais posse de bola. Correr atrás dela cansa os canarinhos. Ronaldo tenta um drible totalmente equivocado na intermediária e perde a bola. Mas o Fenômeno superou coisa muito pior nos últimos anos. Ele corre atrás do zagueiro e toma-lhe a redonda. Para quem viu os jogos da seleção nos anos 70, parece uma vingança: um atacante sul-americano vence com o corpo uma dividida com um zagueiro europeu. Foram-se os tempos dos atletas franzinos e frágeis. Eles ganharam músculos e mantiveram a habilidade.
Ronaldo rouba a bola, mas imediatamente vem outro zagueiro na cobertura. Com o raciocínio rápido que lhe é peculiar, com o mesmo pé que carrega a redonda ele a abre para Rivaldo e corre na frente. Se Rivaldo lhe devolver a bola ele está na cara do gol. O meia-atacante não pensa tão velozmente. Mata a bola, gira e resolve tentar um chute com sua mortífera perna esquerda. O tiro sai no meio do gol e fraco. Tanto que Kahn resolve encaixar, em vez de defender em dois tempos.
E falha.
O gigante, o goleiro que garantiu 3 vitórias de 1 x 0 em jogos eliminatórios falha feio. Bate roupa. Deixa a bola escapar de suas mãos enquanto cai no chão.
E a torcida brasileira vê Ronaldo, que, esperando o passe de Rivaldo, vinha na corrida.
A bola caiu direto em seus pés.
No Brasil a torcida vê pela tevê Ronaldo entrando em quadro bem antes que ele toque a bola. Começa a festejar. Nem havia mais Kahn pela frente. O Fenômeno só empurra e sai comemorando. Desde 1970 ninguém tinha conseguido fazer mais de 6 gols numa Copa. O dentuço faz seu sétimo, igualando a marca de Jairzinho em 1970. É o maior artilheiro brasileiro num Mundial desde Ademir em 1950.
Se os alemães almejavam antes manter o 0 x 0 para Kahn garantir na cobrança de pênaltis, sabem que agora a missão é difícil. O veterano artilheiro Bierhoff entra em campo. Mas os brasileiros demonstram que, depois do brilhantismo de 1958 a 1970 e da disciplina tática de 1994, eles têm a maturidade dos maiores campeões. Não ficaria bem vencer a Copa numa falha do goleiro. Aos 33 eles coroam sua vitória com um belo lance. Kléberson, que fez 3 jogos sensacionais e uma grande final, arranca pela direita e rola para Rivaldo. Os zagueiros germânicos correm para cima dele e, inesperadamente, o meia-atacante pensa rápido e abre as pernas. A bola sobra para Ronaldo invadir a área e chutar fraco, mas colocado. Dois a zero. Acabou. Até os teutônicos sabem que não terão forças para reagir.
Cafu vai receber a taça. O capitão é o único jogador na história a disputar 3 finais de Mundiais. Ganhou dois. Pelé vem cumprimentá-lo e fazer a premiação. Cafu pensa, analisa, dá uma sacudida no palanque onde estava o troféu, vê que não está firme, mas, ora, que diabos, não é todo dia que se recebe a Copa do Mundo. Com a ajuda do maior futebolista de todos os tempos, sobe em cima do pedestal para levantar o prêmio. Bellini criou o gesto de erguer a taça. Depois de mais quatro conquistas está na hora de inventar uma bossa nova.
É uma festa. Tem jogador que anda de joelhos, cumprindo promessa. Os Atletas de Cristo levam uma faixa agradecendo a Jesus. O Brasil põe mais uma estrela em cima do escudo para representar a conquista. Já tem uma verdadeira constelação. Poderia desenhar até a Cruzeiro do Sul na camisa, se quisesse.
Mas a maior estrela foi sem dúvida Ronaldo. Em 1998, ele levou sem merecer o título de melhor da Copa porque a eleição era feita antes da final. Em 2002 esse mecanismo funciona contra ele e Kahn, mesmo falhando feio no primeiro gol, leva o prêmio. Não interessa. O Fenômeno marcou 8 vezes, igualou a marca de Pelé como brasileiro que mais marcou em Copas, é bicampeão do mundo e recuperou-se de uma contusão que levou 2 anos em tratamento, contra tantas e tantas previsões negativistas. E ele tem apenas 25 anos. Será escolhido o melhor jogador do planeta ainda em 2002, sendo o primeiro atleta a receber essa honraria 3 vezes. Somente Zidane repetiria o feito.
Parece um melodrama barato de Hollywood. Os analistas estrangeiros lhe davam chances à seleção canarinho. Os brasileiros só não achavam mais que sairia na primeira fase porque o sorteio garantiu um grupo muito fácil. Os jogadores das outras equipes os menosprezavam. Começaram mal. Apostaram tudo num atleta que parecia ter encerrado a carreira e que protagonizara aquele tão estranho drama na Copa anterior.
E ultrapassaram tudo isso. Melhor ainda, com Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Rivaldo e Roberto Carlos ressuscitaram o Jogo Bonito. Não foi um time taticamente disciplinado esperando lampejos de Romário. Foi uma equipe aplicada e dedicada criando lances inesquecíveis como os gols contra a Inglaterra, a bicicleta de Edmílson contra Costa Rica, as arrancadas de Kléberson contra a Alemanha, o biquinho do Fenômeno contra a Turquia, a matada no peito e o giro elegantíssimos de Rivaldo contra a Bélgica.
Felipão deixou a seleção logo em seguida. Faltava-lhe apenas o título mundial. Ele agora o tem. Assumiu um time em frangalhos e fê-lo campeão. Zagallo e Parreira voltariam no ano seguinte, mas seu trabalho é muito mais fácil: pegam jogadores campeões, maduros e confiantes.
E têm o Ronaldo Fenômeno em forma.
Brasil, pentacampeão mundial. Favorito para a Copa de 2006.

RIVALDO

Encontrar uma posição em campo para Rivaldo sempre foi problemático. Talvez por isso a torcida brasileira nunca tenha realmente encontrado uma posição para ele em seu coração.
Eleito o melhor jogador do mundo em 1999, queridinho de todos os técnicos da seleção, foi sobre ele que recaiu o papel de superestrela para as Eliminatórias da Copa de 2002. A campanha catastrófica, aliada à derrota na França em 1998, criou o mito de que ele nunca jogava pelo Brasil o que mostrava no Barcelona ou simplesmente que não era aquilo tudo que dele se falava.
O que os torcedores não compreendiam era que Rivaldo realmente era um craque problemático. Excelente driblador, lançador e finalizador, alto e bom cabeceador, faltavam a ele os reflexos e a rapidez de raciocínio que caracterizam os Ronaldos, por exemplo. Dificilmente sabia o que iria fazer com a bola antes de recebê-la ou soltava-a de primeira. Precisava sempre limpar a jogada antes de dar prosseguimento a ela. Não tinha a visão de jogo para descobrir um companheiro livre lá do outro lado só com o canto de olho.
Sem a agilidade mental e o toque de primeira, não podia atuar como apoiador, articulando o meio-campo. Para jogar no ataque lhe faltavam a velocidade, os reflexos e a clarividência do artilheiro oportunista. Sem contar que seria um desperdício de seus talentos como lançador e passador.
Falando assim, parece que o melhor lugar para tal jogador é o banco de reservas. Mas quando ele finalmente decidia o que fazer e conseguia limpar a jogada, que craque. Absolutamente preciso, capaz de botar a bola onde queria e com um chute elegante e mortal, Rivaldo era um terror para as defesas adversárias. Um verdadeiro matador de fora da área, precisando apenas de um mínimo espaço para uma matada de bola no peito tão perfeita que parecia saída de uma ilustração de manual e uma conclusão letal (Brasil 2 x 0 Bélgica, 2002). Um chute rasteiro aparentemente fraco que passa no espaço exato entre a mão do melhor goleiro do mundo, Schmeichel, e a trave (Brasil 3 x 2 Dinamarca). O centro milimétrico para Ronaldo marcar contra a Holanda, em 1998, e a Turquia, em 2002. O toque único e elegante do bico da área para empatar contra a Inglaterra, em 2002. Para muitos analistas teria sido ele e não Ronaldo o craque mais fundamental para a campanha do pentacampeonato.
Mas para extrair tal rendimento de Rivaldo, Felipão teve que implantar um esquema de jogo atípico para os brasileiros, sem um meio-campo com toque de bola, composto basicamente de cabeças-de-área e atacantes. Durante muito tempo entre 1997 e 2002 discutiu-se qual seria a posição do craque pernambucano na seleção. A maioria dos torcedores simplesmente queria que ele fosse barrado para Romário voltar. Pouco ajudava sua personalidade bem menos colorida do que a do baixinho ou dos Ronaldos, sendo típica dele a declaração de que jamais bebeu álcool por medo de ficar viciado.
Rivaldo nasceu em 1972 e começou jogando no Santa Cruz, de onde foi para o Mogi-Mirim em São Paulo. Ao lado de Válber, destacou-se no Paulistão, integrando o chamado "carrossel caipira" de Oswaldo Alvarez. Transferiu-se para o Coríntians, onde seu estilo peculiar não lhe angariou muitos fãs, mesmo sendo ele convocado em 1993 pela primeira vez para a seleção.
No Palmeiras finalmente ele conheceu o sucesso entre os torcedores, sendo destaque num time que foi campeão brasileiro em 1994 e que fez 102 gols no Paulistão de 1996. Tornou-se titular absoluto da seleção, mas o fracasso nas Olimpíadas de Atlanta começou sua crônica indisposição com a torcida canarinho.
Transferido para o La Coruña, conseguiu o que Bebeto não conseguira: levar o time ao título espanhol. Duas vezes. Sendo o artilheiro. O feito o levou ao Barcelona para substituir Ronaldo Fenômeno. Tanto sucesso e tantos gols conseguiu que voltou por cima para vestir a amarelinha.
A derrota em 1998 não o marcou tanto, mas a campanha das Eliminatórias criou a história de que ele não jogava pelo Brasil o que jogava pelo Barcelona e deixou de vez a torcida brasileira revoltada com seu futebol. A maioria não entendia porque os técnicos apostavam tanto nele. E nem que história era aquela de que "ele não encontrava sua posição".
Felizmente Felipão assumiu a seleção e encontrou a posição. Mas em 2002 Rivaldo passou por sérios problemas físicos. O médico do Barcelona dizia que ele precisava sofrer uma cirurgia que o deixaria de fora da Copa. A comissão técnica brasileira apostou que um bom trabalho de fisioterapia o deixaria em condições de disputá-la. A maior parte da torcida esperava que não, mas ele conseguiu. E como.
Rivaldo entrou em declínio depois da Copa e teve uma passagem infeliz pelo Milan. Atualmente joga no Olympiakos, da Grécia. Algumas fontes dão como certo que ao fim do atual contrato, ele voltará ao Palmeiras, aos 34 anos.

RONALDINHO GAÚCHO

Depois de um longo hiato do começo dos anos 80 até o meio dos anos 90, o Brasil não teve um verdadeiro candidato a melhor jogador indiscutível do planeta. Então subitamente uma sucessão lembrando os tempos dourados de 1958 a 1970: Romário, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. O segredo é batizar o candidato a jogador profisssional de "Ro" alguma coisa. Ah, se a Ângela Rô-Rô jogasse bola...
Ronaldinho Gaúcho não ajuda na marcação, mas fora isso domina os gramados. Ele exibe a categoria, habilidade e visão de jogo dos pontas-de-lança de antigamente, aliadas à força física e velocidade dos jogadores de hoje. Fabuloso controle de bola, dribles sensacionais, hábil em lançamento e enfiadas curtas, cobrador de pênaltis e de faltas, chutador espetacular, bom cabeceador, não existe um fundamento ofensivo onde o novo dentuço (o velho é o seu homônimo Fenômeno) não prevaleça. Não é à toa que ele foi eleito duas vezes seguidas o melhor jogador do mundo e não há virtualmente quem discorde. Talvez outros candidatos, argentinos e quetais.
Ronaldo de Assis Moreira nasceu em 1980. Seu irmão Assis foi um habilidoso apoiador de moderado sucesso e o levou para o Grêmio. Depois de um sensacional Mundial sub-17, onde marcou caminhões de gols e de tudo que era jeito, começou a chamar a atenção do mundo. Estreou na seleção principal em 1999, na Copa América, aos 19 anos. Entrou em campo contra a Venezuela faltando menos de quinze minutos e, numa das primeiras vezes em que tocou na bola, enfiou-a debaixo das pernas de um adversário, deu um lençol e outro e aplicou um charles num outro pobre beque para marcar um tento inesquecível. Outro dentuço conhecido como Ronaldinho mostrava a que veio com a amarelinha.
Logo em seguida a seleção brasileira foi disputar a Copa das Confederações, que não tinha o mesmo prestígio de hoje. Um time reserva foi representando o Brasil e Ronaldinho foi o grande destaque, eleito o melhor do torneio, apesar da grande atuação do mexicano Blanco na decisão, mas essa mania da FIFA de eleger o sujeito antes da final sempre dá nisso...
Ronaldinho voltou para o Grêmio, que, depois de sua era dourada sob Felipão, não conseguia se recuperar. Em 2001 ele seguiu para o Paris Saint-Germain, onde discutia frequentemente com o técnico Luis Fernandez. Num campeonato de menos visibilidade que o italiano, espanhol, alemão e inglês, o dentuço não atraiu tanta atenção dos clubes mais importantes, mas sempre manteve sua vaga na seleção. Em 2002 formou com Ronaldo e Rivaldo um ataque mortífero e campeão na Copa do Japão e da Coréia.
Quem diz que Ronaldinho nunca jogou na seleção o que joga no Barecelona ou não tinha nascido em 2002 ou sofre de amnésia traumática e estaria melhor num novelão mexicano, em busca de seu passado perdido. Começando discretamente contra a Turquia, treinou bem contra a China, fez o belo cruzamento para o gol de Rivaldo contra a Bélgica e subiu assustadoramente de produção junto com todo o time quando Kléberson substituiu Juninho Paulista na armação da meia-cancha.
Não é preciso lembrar o que Ronaldinho aprontou naquele jogo, sendo indubitavelmente o grande nome da partida, a mais importante do Mundial. Como todos previam, o campeão saiu dali. E o Brasil começou a levantar a taça quando o neo-dentuço pegou a rebatida de Kléberson e atravessou o campo pedalando e entortando os zagueiros britânicos. E botou uma mão no caneco quando ele resolveu encobrir Seaman, em vez de tentar o cruzamento. A única razão pela qual aquela cobrança de falta não consta entre as 10 melhores de todas as Copas sem dúvida foi porque os ingleses é que organizaram essas listas todas e eles até hoje dizem que foi sem querer. É por isso que eles não ganham nada há quarenta anos.
Depois do Mundial, de volta ao Paris Saint-Germain, Ronaldinho continuou suas desavenças com o técnico e anunciou que pretendia sair depois que o clube não se classificou para nenhuma copa européia. Manchester United, Real Madrid e Barcelona entraram na briga. O primeiro foi descartado pelo jogador, o segundo preferiu levar Beckham porque era melhor para a imagem da equipe e o terceiro resolveu investir em futebol. Os resultados estão aí.
A primeira temporada, que Ronaldinho pegou no meio, foi fantástica. Ele levou o time ao vice-campeonato. No ano seguinte ele foi eleito o melhor do mundo e levou o time, que vinha tão mal que quase afundou a carreira de Riquelme, ao campeonato. Na Liga dos Campeões, apesar de ótimas atuações, inclusive contra o Chelsea, acabou desclassificado pelo clube inglês.
Na atual temporada, Ronaldinho Gaúcho, ao lado agora de Messi, a maior promessa de semideus da atualidade, continua arrebentando. Campeão da Copa das Confederações, campeão espanhol, conseguiu a façanha de ser aplaudido pela torcida do Real Madrid depois de uma vitória de 3 x 0 na casa do adversário! O brilhante dentuço fez os dois últimos gols, quase idênticos, arrancando desde o meio-campo e driblando todo mundo no caminho antes de soltar uma pancada na meta adversária. O estádio Santiago Bernabeu irrompeu em aplausos.
Ronaldinho Gaúcho é muitas vezes acusado de não jogar na seleção o que joga no Barcelona e alguns até sugerem falta de empenho em representar a pátria, que não é quem paga seus salários. Uma explicação mais óbvia talvez seja que o Barça jogue em função dele e que seus toques rápidos de primeira e lançamentos funcionam melhor quando ele treina todo dia com os sujeitos que os recebem. De raciocínio muito rápido, ele tem atuação muito melhor quando já sabe antes de receber a bola onde seus companheiros estarão. A favor desta hipótese estão suas atuações na Copa de 2002, principalmente contra a Inglaterra e Alemanha, quando ele já estava bastante entrosado com seus conterrâneos.
Ronaldinho Gaúcho é o grande candidato a estrela maior da Copa da Alemanha, mas ele mesmo diz que prefere armar as jogadas para Ronaldo Fenômeno, que provavelmente jogará seu último Mundial. Em suas declarações ele sempre mostra tranquilidade e humildade e é consideravelmente mais discreto que os "Ro" anteriores, Romário e Fenômeno. Mas não quando está com a bola nos pés.

A História das Copas do Mundo Capítulo XVII - A Copa de 1998

Os capítulos anteriores estão embaixo deste, em ordem decrescente, como sói acontecer em blogs. Leia tudo desde lá do começo e leia a fascinante história da evolução tática e da origem do futebol.

A COPA DE 1998 - A VERDADE ESTÁ LÁ FORA

Em 1998 a série de tevê de maior sucesso no mundo era "Arquivo X", que trazia para a telinha todas as teorias de conspiração que a Internet estava ajudando a espalhar pelo globo. E, para explicar por que o astro maior da seleção, Ronaldo Lima, teve uma convulsão antes da final, apareceram as teorias mais estapafúrdias, desde um conchavo da Nike para favorecer o time anfitrião (que usava outra marca esportiva!!!!) até um suposto caso entre a companheira do Fenômeno e um repórter da Globo. Nada nunca foi bem explicado e uma enigmática declaração de Bebeto na volta ao país ("algum dia a história poderá ser contada") só aumentou o mistério. Ridiculamente, aproveitando uma CPI sobre corrupção no futebol, a Câmara dos Deputados chegou a convocar Lídio Toledo e outros integrantes da comissão técnica para depor sobre o ocorrido. Sem conseguir apurar nada, é claro.
Depois da boa organização de 1994, o Brasil voltou a chegar sem um time definido para a Copa. Zagallo, animado por ser o único brasileiro diretamente envolvido na conquista de quatro Mundiais (como jogador em 1958/1962, como técnico em 1970 e como coordenador em 1994), aceitou o convite para ser o treinador depois que Parreira foi para a Espanha. Mas não havia ninguém para desempenhar o papel dele na última conquista. Não haveria um supervisor. Zagallo teria novamente plenos poderes de decisão, um erro que a CBF já deveria ter aprendido que não podia ser cometido.
Depois da Copa América de 1995 foi decidido que o próximo ano seria apenas para treinar a seleção sub-23 para a conquista das Olimpíadas, único título que falta ao futebol brasileiro. A princípio tudo correu bem. Rivaldo estava em ascensão e era o astro do time. Bebeto, recém-contratado pelo Flamengo, seria um dos três jogadores mais velhos permitidos por equipe, embora a torcida preferisse Romário. Mas os rubro-negros estavam satisfeitos. O outro atacante, Sávio, era considerado o próximo supercraque da seleção canarinho. Na sua reserva estava outro jogador promissor. Ronaldo.
Ronaldo estreara na seleção no último amistoso no Brasil antes da Copa de 1994. Sua atuação esfuziante contra a Islândia lhe garantiu uma vaga entre os 22 convocados, mesmo aos 17 anos. O PSV Eindhoven, depois de sua boa experiência com Romário, contratou o artilheiro. E, como ocorrera com Romário, o dentuço foi engolfado pela obscuridade do campeonato holandês. Enquanto isso, Sávio, a única grande revelação rubro-negra em anos, ganhava um culto quase messiânico e a vaga ao lado de Bebeto.
O Brasil conseguiu resultados tão bons nos amistosos de preparação que caiu na velha armadilha do excesso de confiança. Entrou desprezando seus adversários japoneses na estréia. Os asiáticos sequer tinham trazido atletas com mais de 23 anos. Queriam dar experiência para seus jogadores, que, esperava-se, atuariam na Copa de 2002. A seleção canarinho começou sem brilho e perdeu algumas oportunidades.
Aldair, outro dos atletas com mais de 23 anos no Brasil, confundiu-se com Dida numa saída de gol. Os japoneses fizeram 1 x 0, os brasileiros se enervaram e perderam. E não se encontraram mais na Olimpíada.
Sávio não jogou nada. Ronaldo entrou em seu lugar e nunca mais saiu. O resto do time fracassou. Bebeto não liderou o ataque, Rivaldo perdeu a vaga, Aldair, sem Dunga na frente, cometeu erro em cima de erro. Zagallo trocou o meio-campo ofensivo por um cheio de cabeças-de-área. E não adiantou nada. Ronaldo, repetindo Romário, foi contratado pelo Barcelona.
A partir daí, a caminhada para a Copa, que ia de vento em popa, foi começando a atravessar mares revoltos. A grande compensação foi a volta de Romário.
O Baixinho nunca se entendera bem com Zagallo. Depois de pedir dispensa da seleção pelo ano de 1995, acabou perdendo a vaga. Os muitos fãs que o consideravam o messias que nos dera a Copa de alguma forma começaram a considerar que Ronaldo estava tentando roubar seu lugar, com a ajuda da Nike, sua patrocinadora.
E, no final de 1996, Romário fez algo completamente inesperado de sua parte. Algo que surpreenderia a todos e por fim o levaria de volta à seleção.
Ele entrou em forma.
Treinando muito, apurando o fôlego em bicicletas ergométricas, Romário recuperou a mobilidade da Copa. Zagallo não teve opção senão chamá-lo, depois de fulgurantes atuações. E mais fulgurante ainda foi o seu desempenho ao lado de Ronaldo.
Os dois, com raciocínio rápido, velocidade e técnica apurada, pareciam ler o pensamento do companheiro. Um deixava o outro na cara do gol, o outro agradecia fazendo o mesmo. Era a recuperação depois do fiasco da Olimpíada. O auge aconteceu contra o bom time do México, na casa do adversário. Em 15 minutos estava 3 x 0.
Mas, uma vez assegurada a vaga, Romário parou de treinar e perdeu a mobilidade novamente. Ao lado de outros jogadores de pouca movimentação, como Ronaldo e Rivaldo, o ataque brasileiro começou a ratear. O fundo do poço foi um amistoso contra a Noruega. A seleção foi atropelada e o jogo acabou 4 x 2. Acendeu a luz amarela.
Zagallo irritava-se com os jogadores e a imprensa, que começou a pressionar por Edmundo, então em fase esplendorosa no Vasco. O atacante, sempre habilidoso, tornara-se pela primeira vez artilheiro, batendo todos os récordes de gol no campeonato brasileiro. O treinador, conhecedor de sua personalide problemática, hesitava em chamá-lo. Acabou fazendo-o depois de mais alguns maus resultados. A má fase inclusive fizera o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, designar um coordenador. Zico. Mais um desafeto de Romário.
Com tantos problemas de relacionamento entre atletas como Romário, Leonardo, Bebeto e Edmundo, a seleção sofria sem um time titular define apostas em jogadores sem espírito de liderança para comandar o meio-campo, como Rivaldo e Giovanni. A imprensa agora pressionava por Denílson, atacante driblador tão habilidoso quanto improdutivo.
Ciente das turbulências na concentração canarinho, o técnico da Noruega, que coincidentemente havia caído na chave do Brasil, jactava-se aos borbotões. Seu time tinha feito a melhor campanha nas eliminatórias e goleado os campeões do mundo. Ele chegava a alertar os brasileiros de que eles corriam o risco de nem passarem da primeira fase. Com 32 competidores distribuídos em 8 grupos de 4 seleções, a repescagem acabara. Apenas os 2 primeiros se classificavam para as oitavas-de-final eliminatórias.
Emtre os favoritos para a Copa estava a Argentina, que tinha desistido dos cabelos e recursos curtos de Passarella. Em seu lugar estava Bielsa. Seus conceitos táticos eram tão diferentes que o apelido do treinador era "El Loco". Também a França era bem cotada. Embora tivesse ficado de fora da Copa de 1994 e não tivesse exibido bom futebol na Eurocopa de 1996, seu meia-armador Zidane vinha de uma sensacional temporada na Liga Italiana, derrotando na corrida pelo título a Inter, novo time de Ronaldo.
E era Ronaldo a principal estrela do Mundial. Sua imagem estava em todos os cartazes e anúncios. A imprensa espanhola o chamava de "Fenômeno" e "Extraterrestre". Só o primeiro pegou, como você, a não ser que seja um extraterrestre, sabe. Aos 21 anos já havia sido escolhido o melhor jogador do mundo 2 vezes. A torcida brasileira desconfiava de tanta onda. Em seu coração ainda vivia Romário, atacante do time mais querido do Brasil, o Flamengo, e não seria aquele dentuço que iria desalojá-lo.
Na verdade, foi o maior ídolo do Flamengo que o fez.
Com problemas de relacionamento com vários jogadores e o técnico, fora da melhor forma, aos 32 anos, Romário teve uma contusão. Zagallo e Zico aproveitaram para cortá-lo. O Baixinho deu uma entrevista chorando, alegando que estaria em condições de jogar a Copa a tempo, e pôs definitivamente a torcida contra Ronaldo. Se ele fizesse menos do que Romário em 1994 estaria provado que ele era apenas um fenômeno de marketing, uma invenção da Nike.
E o Brasil começou contra a Escócia. E começou bem, César Sampaio, o volante que substituiu Mauro Silva em má fase, abriu o placar com uma cabeçada numa cobrança de escanteio logo aos 4 minutos. E, melhor ainda, os canarinhos jogavam bem.
Mas a seleção tinha um problema sério: Dunga, aos 33 anos, já não tinha a mesma velocidade da Copa anterior. César Sampaio estava em ótima fase, mas Rivaldo, pela esquerda, e Giovani, pela direita, simplesmente não davam combate, deixando a defesa exposta. Sem o bloqueio à sua frente como 4 anos antes, Aldair apresentava-se inseguro e hesitante. E a seu lado estava Júnior Baiano.
Júnior Baiano nunca foi grande marcador. Mas era alto, forte e incomumente habilidoso e rápido para um zagueiro. Armava e marcava gols. Os torcedores do Flamengo, sempre prestando mais atenção em jogadas de ataque, tinham imenso carinho por ele. Mas sua insuficiência defensiva constantemente levava-o a cometer faltas infantis e desnecessárias.
Sem poder contar com o forte bloqueio defensivo da Copa anterior; sem Ricardo Gomes, Ricardo Rocha e Mozer, que já tinham encerrado carreira; sem Mauro Galvão, ainda em grande fase apesar de seus 37 anos, Zagallo acabou apelando para um veterano Júlio César e para Gonçalves, zagueiro com 1,75 metro de altura. Foi assim que um Aldair hesitante e um Júnior Baiano irregular ganharam a titularidade da zaga brasileira.
E, num lance infantil, quando o Brasil dominava as ações, Júnior Baiano cometeu pênalti. Os escoceses, que não tinham nada a ver com isso, converteram e se retrancaram completamente.
O Brasil tinha um meio-campo apático. Rivaldo nunca teve a ampla visão de jogo e a velocidade de pensamento para articular a meia-cancha. Ele eempre teve como característica receber a bola, dominá-la, limpar a jogada e só então escolher o que fazer em seguida. Dessa forma todas as jogadas eram atrasadas e a defesa adversária tinha tempo para se rearmar. Giovani simplesmente jogava mal. E Ronaldo, que deveria ser a estrela do time, tinha dois ou três na marcação e somente em alguns lances conseguia aparecer.
A seleção enervou-se e não criava oportunidades. Os escoceses nada tentavam. Até que aos 30 minutos um lançamento de Dunga encontrou Cafu invadindo a área. O lateral deu um toque para tirar do goleiro e a bola bateu no peito de um zagueiro que vinha no desespero, entrando mansamente no gol. O Brasil fez 2 x 1 e ganhou o jogo, mas não a torcida brasileira. A Noruega, cujo técnico tanto falara antes do torneio, empatou com o Marrocos em 2 x 2, tendo sido dominada o tempo todo. Por causa dessa atuação, foi a vez dos marroquinos começarem a dizer que eram melhores que os brasileiros e que venceriam a próxima partida.
Partindo para o ataque, com uma defesa inoperante que valia-se principalmente da violência e desprezando simplesmente os campeões do mundo, os marroquinos não viram a cor da bola. Ronaldo marcou seu primeiro gol, assim como Rivaldo e Bebeto. Mas Ronaldo não deu nenhuma arrancada driblando todo mundo. A imprensa e os torcedores do Brasil cobravam dele genialidade e brilhantismo. No resto do mundo sua atuação foi considerada boa. Os noruegueses empataram com os escoceses. Os brasileiros em dois jogos já tinham garantido o primeiro lugar da chave e agora teriam a vingança daquela goleada contra os escandinavos.
A torcida e a imprensa pressionavam por uma exibição de gala. Zagallo, experiente, sabedor de que uma Copa do Mundo se ganha com muito mais do que malabarismos e espetáculo, quis entrar com um time misto. Os titulares se rebelaram. Era a chance para fazerem gols e aparecerem. Zagallo curvou-se.
Como o Brasil não tinha nenhum interesse no jogo e os norugueses só tinham alguma chance se vencessem o jogo, os brasileiros ficaram trocando passes em seu campo, esperando que a Noruega adiantasse a marcação, tentando recuperar a bola, e abrisse brechas na defesa. A estratégia era perfeita: pouco risco para os jogadores, que poderiam ainda poupar-se para a próxima fase.
Mas a Noruega temia demais o Brasil e não avançou. Os brasileiros não atacavam, esperando uma brecha na sólida, alta e forte defesa escandinava. Aos olhos dos torcedores, parecia que a seleção não conseguia criar nada. Alguns comentaristas também pensavam assim e vociferavam durante o jogo contra a covardia verde-amarela.
De qualquer forma o Brasil fez 1 x 0 faltando pouco mais de 10 minutos. O técnico norueguês não teve escolha e mandou seu time para a frente. Seu melhor jogador entrou em campo. Ele ficara de fora do Mundial até então por brigas com o treinador. Sua grande jogada era levantar bolas do meio-campo para a área brasileira.
Gonçalves tinha sido uma das únicas modificações que Zagallo conseguira fazer. Era um palmo mais baixo do que o centroavante Andre Flo. Júnior Baiano atrapalhava-se. Aos 38 e aos 44 os noruegueses assinalaram e viraram o jogo.
É claro que a imprensa, sempre defensora de um futebol ofensivo (sem pensar nas consequências), caiu em cima de Zagallo. Não pelo caos da defesa nos últimos 10 minutos, mas porque o Brasil não mostrou criatividade no ataque, desconsiderando que o time apresentou a estratégia correta. Ignoravam que a seleção jogara completamente sem compromisso, já classificada em primeiro. Aquela bola rolando de um lado para o outro na defesa, sem penetração, foi profundamente criticada. E o próximo jogo seria contra uma das melhores duplas de frente do Mundial: Salas e Zamorano, do Chile.
Nos outros grupos, uma Alemanha ainda baseada no time de 1990, excessivamente envelhecida, usou toda sua experiência para empatar com a Iugoslávia de Stojkovic, depois de estar perdendo de 2 x 0. Os outros adversários de ambos eram Irã e Estados Unidos, que não deram trabalho.

BOX

Na Copa de 1998 Estados Unidos e Irã, dois países que vivem às turras, enfrentaram-se na primeira fase. Houve troca de flâmulas pelos capitães, a partida foi disputada sem violência e amigavelmente e os iranianos venceram por 2 x 1. Os temores de que os ânimos pudessem estar exaltados não se confirmaram.

A França venceu África do Sul e Arábia Saudita sem grande brilho, mas fazendo os adversários correrem atrás da bola o tempo todo e construindo o resultado no final, quando eles já estavam cansados. No segundo jogo Zidane foi expulso e suspenso por dois jogos. Sem ele os gauleses tiveram uma má exibição e venceram os dinamarqueses por 2 x 1. Os escandinavos reclamaram da arbitragem.
A Colômbia nunca se recuperou do fiasco de 1994. Chegou em terceiro em sua chave, vencendo apenas a Tunísia. Os classificados foram a Romênia de Hagi e a Inglaterra. Os romenos bateram os ingleses, que como sempre se achavam grandes favoritos, com excelente exibição de seu veterano (34 anos) maestro e seus envelhecidos companheiros de seleção. Perdendo de 1x 0, o técnico dos bretões lançou Michael Owen, o mais jovem britânico numa Copa, com 17 anos. Ele marcou o gol de empate, mas Petrescu deu o placar final de 2 x 1 ao jogo já nos descontos. O English Team dominou a maior parte do tempo, mas ficou patente que sua defesa tinha terríveis dificuldades com um adversário que se valesse de dribles e toque de bola.
Argentina e Croácia despacharam Japão e Jamaica. Os portenhos ficaram em primeiro com 1 x 0 sobre os europeus. O time de Bielsa não sofreu nenhum gol. O esquema de el Loco Bielsa era tão sólido na defesa quanto do Brasil de 1994, e mais veloz no ataque, com boas combinações de jogadas pelas extremas. Batistuta na frente era um artilheiro mortífero. O grande ponto fraco da equipe era que ela tinha seu jogo baseado em Ortega.
Sem Maradona e obcecados por um canhoto habilidoso e driblador, os argentinos se apegaram ao improdutivo Ortega, que tinha o péssimo hábito de ficar fintando até sofrer uma falta, ou pior, até perder a bola, se atirar e ficar reclamando. Mas eles precisavam de um herdeiro para Maradona. Era aquele o verdadeiro futebol da Argentina. O fato do burrito Ortega nunca ter conseguido jogar num grande clube europeu nada significava. É que o pessoal do Velho Mundo não entendia a beleza do jogo portenho.
A Holanda estreou como favorita contra a Bélgica. Seu jogo bonito de toque de bola e habilidade, herança da Laranja Mecânica, impôs-se sobre o adversário. Mas praticamente não ameaçou o gol belga. Terminou 0 x 0. Contra a Coréia os holandeses só marcaram depois que os muito inferiores asiáticos cansaram de correr atrás da bola. Um empate no sufoco com os mexicanos classificou a turma de Overmars, Bergkamp e do jovem e promissor Kluivert.
O grande mico da primeira fase foi protagonizado por Espanha e Portugal. Os espanhóis tinham jogando em sua liga os maiores craques do planeta. Ao lado deles, atletas como Raul, Nadal e Luís Enrique jogavam o fino. Mas sem a ajuda das superestrelas estrangeiras e tendo eles mesmos que ser os astros, não conseguiram mostrar nada. E olha que chegaram como um dos favoritos!
Sua estréia foi contra a Nigéria. Os nigerianos não mostravam mais o vigor de 4 anos atrás. Embora constasse que seus jogadores tinham uma média de idade por volta de 27 anos, eles pareciam bem mais veteranos, aumentando as suspeitas sobre falsificação de certidões de nascimento para que atletas mais velhos pudessem disputar as categorias juvenis.
Na falta do vigor e da disposição da Copa anterior, os nigerianos jogavam retrancados, embora desorganizados na marcação. Os espanhóis ficaram na frente por duas vezes, fazendo 1 x 0 e depois 2 x 1, mas os africanos, com habilidade e contando com a ajuda do goleiro da Fúria, Zubizarreta, viraram para 3 x 2. Um empate da Espanha em 0 x 0 contra a defesa quase instranponível do Paraguai de Gamarra, Ayala e Arce eliminou-os do Mundial. Os búlgaros, capitaneados por um veterano Stoichkov, perderam de todo mundo, tomando seis da turma de Raúl. Não adiantou nada para ele.
Se os nigerianos não tinham o mesmo jogo, os camaroneses então foram uma completa decepção. Perderam dos italianos, empataram com austríacos e chilenos. O Chile empatou com a Áustria e com a Itália, num jogo em que o juiz marcou pênalti numa bola que Baggio claramente cruzou em cima da mão abaixada de um defensor sul-americano. O craque da Azzurra também já não tinha pernas suficientes para brilhar. Quem se destacou nesse grupo foram os atacantes Salas e Zamorano. Que iam pegar o Brasil.
E, animados pelas más atuações brasileiras, os chilenos acreditaram no poderio de seu ataque. Caíram de quatro. Saíram jogando melhor do que os brasileiros, mas na verdade os canarinhos estavam apenas se valendo de sua experiência. Num contra-ataque a defesa do Chile fez falta, Dunga levantou na área e César Sampaio, de cabeça, abriu o placar aos 11 minutos. Dezesseis minutos depois foi a vez de Bebeto lançar o volante brasileiro, que assumiu o posto de artilheiro do time, com 3 gols.
O Chile teve que se abrir. Com espaço para jogar, Ronaldo fez dois gols e mandou duas bolas na trave. Mas isso não animou a imprensa. Galvão Bueno, num contra-ataque brasileiro, anunciou "vai que essa é tua, Ronaldo! Só tem três pela frente!", esquecendo que nem Pelé e nem Garrincha jamais fizeram um gol em Copa driblando três adversários e Maradona, quando o fez, foi escolhido o mais bonito já marcado em Mundiais. O resto do mundo, é claro, achou uma grande atuação do artilheiro de cabeça raspado. Foi a melhor atuação do Brasil no Mundial.
Os nigerianos, depois do futebol técnico apresentado em sua chave, entraram com seu tradicional descaso pelo adversário para pegar a Dinamarca. Os veteranos irmãos Laudrup deram uma mostra da movimentação da Copa de 1986, na qual Michael esteve presente, e enfiaram quatro nos africanos. A Dina-máquina estava de volta e o próximo adversário era o Brasil!
Noruega e Itália fizeram um jogo de defesas. Fazendo 1 x 0 aos 18 minutos a Azzurra só segurou o resultado. Os veteranos alemães usaram sua experiência para cozinhar os afobados mexicanos e eliminá-los por 2 x 1. Davos Suker começou a mostrar seu futebol e a Croácia eliminou os velhinhos da Romênia.
A França sem Zidane suou para passar por Gamarra. O Paraguai segurou o jogo até o fim e ele foi para a prorrogação. Em 1998, se um gol saísse na tempo extra, o time que o marcou era considerado vencedor. Isso acabava com a simetria do futebol. Se uma das equipes estivesse jogando a favor do vento, por exemplo, sairia beneficiada jogando só parte da prorrogação, sem haver a mudança de campo. Mas a FIFA preferiu ignorar esse fato e batizou a regra de "golden goal" (gol de ouro). Mas os torcedores tinham mais idéia de como a coisa funcionaria e apelidaram o novo regulamento de "morte súbita".
E quem inaugurou a morte súbita foram os anfitriães. Aos 8 do segundo tempo, finalmente uma falha da defesa que Trezeguet aproveitou. Gamarra, zagueiro e capitão paraguaio, se despediu da Copa comandando uma defesa brilhante e sem ter feito uma única falta em quatro jogos!!!
Os holandeses novamente dominaram seu jogo, com toques bonitos e improdutivos, mas os iugoslavos perderam um pênalti e outras boas chances. A partida ficou 1 x 1 até que no finalzinho, Davids, o volante da Laranja, avançou e resolveu ele mesmo, já que o ataque tão habilidoso não fazia nada. Um belo chute começou a espalhar a fama do excelente cabeça-de-área pelo mundo inteiro.
O jogo mais emocionante das oitavas-de-final foi Argentina x Inglaterra. Beckham havia ganho a posição durante a competição e exibia belo futebol. O mesmo aconteceu com o rapazola de 17 anos, Owen, driblador como um sul-americano. Os argentinos saíram na frente e fizeram 1 x 0 de pênalti. Com uma malandragem maior do que sua idade sugeria, Owen se atirou na área e o árbitro acreditou. Pouco depois, aos 16 minutos, os dois garotos de outro se conectaram: Beckham para Owen, que dá um nó em Ayala (não confundir com o zagueiro paraguaio, muito melhor) e põe os bretões em vantagem.
Os ingleses queriam se vingar daquele jogo da "mão de Deus", em 1986, quando Maradona acabou com suas chances. E tudo parece a seu favor. Dominam o jogo e estão na frente. Os argentinos às vezes se enrolam com o esquema rígido de Bielsa. Mas nos descontos os britânicos relaxam e Zanetti empata.
Mas não se perdeu nada. Na volta do vestiário, porém, Beckham perde a cabeça e é expulso. Com um a menos e contra um adversário tão forte, os ingleses se preocupam em segurar o resultado. Conseguem-no. O jogo vai para os pênaltis. Os ingleses cansados perdem um pênalti a mais. Os argentinos avançam. Continuam se vingando da derrota na guerra da Malvinas, em 1982.
E pegam os holandeses. Mais uma vez a Holanda fica mais tempo com a bola, mas dessa vez consegue marcar com Kluivert, aos 12. Os argentinos parecem acuados, mas empatam 5 minutos depois. A Laranja troca passes com efeito e beleza, mas não ameaça. É sua sina e maldição. Os portenhos não querem correr riscos e saem somente em contra-ataques. Batistuta perde excelente chance sozinho na cara do goleiro, chutando por cima da trave. No segundo tempo Ortega consegue se livrar da marcação e avança para a área. É derrubado. Mas tal é sua fama que o juiz não só não dá o pênalti, como ainda mostra o cartão amarelo para o Burrito. O atacante fica furioso, começa a reclamar e é expulso.
A Argentina perde a cabeça. Alguns minutos depois, de Boer faz um lançamento lá do meio-campo para van Basten na área. O holandês domina a bola alta que vem pelas suas costas no bico da chuteira e fuzila, num dos gols mais bonitos da Copa. São 44 do segundo tempo. Não dá para mais nada.
A França tem a volta de Zidane e outra retranca pela frente: a Itália. O jogo acaba em 0 x 0 e os italianos perdem sua segunda decisão por pênaltis seguida. A Alemanha começa bem contra a Croácia, mas seu jogo não é criativo. Só funciona se seus jogadores ajudarem tanto na criação quanto na marcação. Faltam-lhes pernas. Para manter seu domínio e evitar contra-ataques, fazem seguidas faltas. Desde 1994 que essa tática é coibida. Worns é expulso aos 40 minutos e os croatas abrem o placar cinco minutos depois e disparam uma goleada no segundo tempo. Três a zero.
O Brasil tem um jogo complicado contra os dinamarqueses. Roberto Carlos faz uma falta logo no começo. Enquanto reclama com o juiz os europeus cobram correndo e fazem 1 x 0. A coisa se complica. Mas Ronaldo acorda. Recebe um belo passe de Dunga no meio de campo. Enquanto corre numa direção, percebe-se sabe lá como Bebeto correndo do outro lado para o ataque. O artilheiro careca faz um lançamento perfeito que tira a bola dos marcadores e deixa Bebeto na cara do gol. O jogo está empatado. Pouco depois Ronaldo toca para Rivaldo desempatar.
Os brasileiros resolvem recuar para segurar o resultado. Mandam no jogo. Os dinamarqueses perdem a moral com a virada. Parecem aceitar que os brasileiros são melhores, afinal, nem com um gol tirado da cartola, na pura malandragem, conseguem manter a vantagem. Mas aos 5 minutos do segundo tempo, uma bola longa é lançada na esquerda da defesa canarinho. Roberto Carlos está na frente do adversário, mas inexplicavelmente tenta dar uma bicicleta para afastar o perigo. Ele fura e Laudrup pega a bola, invade a área e empata.
É a vez dos brasileiros se perturbarem. Seu meio-campo não cria. No lugar de Giovani, Zagallo desde a primeira fase pusera Leonardo, jogador mais combativo, menos criativo, e, principalmente, canhoto. E o técnico o escala na direita. Ele vai passar a Copa inteira se enrolando com a bola por causa disso. Rivaldo não é um armador. Roberto Carlos recupera a bola, toca para ele e se manda para a frente para receber na corrida. Rivaldo espera a bola chegar, domina-a, vira de costas para o ataque, finta um dinamarquês, levanta a cabeça e só então devolve-a para o lateral-esquerdo. Roberto Carlos recebe-a já parado, de frente para o adversário, e não pode tirar proveito de seus dribles em alta velocidade pela ponta, lado a lado com o marcador.
Mas se Rivaldo não é armador, é inegavelmente um matador. Da intermediária ele manda um chute rasteiro, aparentemente sem força. O melhor goleiro do mundo, Schmeichel, se estica todo, mas a bola passa exatamente no espaço de um palmo entre a mão dele e a trave. O Brasil no jogo todo deu 3 chutes a gol e os 3 entraram na meta do maior arqueiro do planeta. Os dinamarqueses jogam a toalha. Incompreensivelmente a torcida continua cobrando boas atuações de Ronaldo. O Brasil vai para a semi-final contra a Holanda. Os dois confrontos anteriores em Mundiais entraram para a história.
A semi-final foi um jogo nervoso. Os holandeses mais uma vez tinham mais a bola nos pés. Mas não faziam nada com ela. No primeiro minuto do segundo tempo Rivaldo cruza da meia-esquerda para a área e acha Ronaldo. O Brasil sai na frente.
A Laranja se assusta. Num cruzamento de Denílson, Rivaldo fura a bola sozinho dentro da pequena área, porque o que lhe sobra em precisão lhe falta em reflexos. Os holandeses não ameaçam. Quer dizer, não ameaçam até uma meia hora do segundo tempo. Dunga e César Sampaio, já balzaqueanos, cansam. A defesa fica exposta. Aldair e Júnior Baiano começam a falhar. Cafu foi suspenso. Seu reserva, Zé Carlos, faz péssima apresentação. A Holanda manda uma bola na trave. Aos 42 do segundo tempo, depois de muita pressão, Kluivert empata o jogo.
Começa a prorrogação. A pressão cansou os holandeses. O Brasil é muito superior. Tem espaços. Logo no começo Ronaldo arranca do meio-campo e sofre pênalti claro. O juiz não vê. Pouco depois, em nova arrancada, ele é desarmado na hora da conclusão. Roberto Carlos, com seu fôlego incomparável, começa a correr desde a defesa até o ataque, sem tabelar com Rivaldo. Ninguém consegue pará-lo. Ele cruza seguidamente para a área, mas faltam bons cabeceadores na amarelinha. A partida vai para os pênaltis. Cocu e Ronald de Boer perdem. Taffarel vence mais uma decisão por penais.
Na outra semi-final, a França elimina a Croácia, como esperado. Zidane ainda não teve uma grande apresentação, embora seja sempre o maestro da equipe. Com 1 minuto do segundo tempo o lateral gaulês Thuram faz uma lambança e Suker abre o placar. É Thuram que acaba sendo o nome do jogo. Constrangido com sua falha, se manda para a frente e acaba marcando os dois gols da virada. Parece Roberto Carlos: é incansável, nem parece que vem de duas prorrogações seguidas.
E assim está armado o palco para a decisão. Brasil x França. Os donos da casa nunca ganharam uma Copa. Têm tradição de tremer nos jogos importantes. Foram mal na Eurocopa em 1996. Nem se classificaram para a Copa de 1994. Os canarinhos são favoritos absolutos. Em todo o mundo, menos no Brasil, Ronaldo é considerado o jogador mais importante do Mundial, com Rivaldo logo atrás. Zidane, que ainda não brilhou, diz em entrevista que espera que seu time ganhe com um gol seu.
Nem em seus sonhos mais loucos ele prevê o que virá.
O que aconteceu no dia da final é o mistério que um dia será desvelado, segundo Bebeto. A versão oficial foi que Ronaldo teve uma convulsão, um ataque epilético. Precisou ir para o hospital. Declarações extra-oficiais diriam que os jogadores mais religiosos, presenciando a cena, pediram por um exorcista. A maior estrela da Copa não poderia participar da decisão. O time se abate. Em seu lugar é escalado Edmundo, atacante em fantástica fase, mas cuja personalidade ninguém suporta na delegação.
Mas Ronaldo não morre, volta do hospital e diz que tem condições de jogo. Zagallo hesita entre escalar sua grande estrela, sua maior esperança de vitória, mesmo sem condições físicas, e Edmundo, brilhante e irregular, mas sem condições psicológicas. Sua hesitação dura uns 2 segundos. Apesar de já ter anunciado que Edmundo jogaria, ele põe Ronaldo. A imprensa recebe a notícia enquanto ainda está entendendo porque o Fenômeno ficou de fora e a confusão aumenta.
E muito maior ainda foi a confusão do time brasileiro. Sem Ronaldo para criar jogadas de ataque, com um meio-campo sem velocidade e imaginação, a seleção ainda por cima tem pela frente um brilhante bloqueio francês das laterais. As jogadas pelos flancos, com Roberto Carlos e Cafu, garantem sempre a saída de bola canarinho durante toda a Copa, mas os gauleses armam um esquema para fechar este caminho. Abrem espaço no meio, mas o Brasil não consegue armar nada por ali. E o pior acontece na defesa.
Ronaldo, com seu 1,83 metro, é peça fundamental na defesa em bolas paradas. Ele deveria marcar Zidane. Não o faz. O baixo apoiador marca duas vezes de cabeça em escanteios. O jogo está decidido. Os brasileiros não fariam mais nada. Givarc'h, o atacante da França, perde várias oportunidades claras de gol. Ele só joga na seleção por ser o melhor amigo de Zidane. Mas já nos descontos Petit aumenta para 3 x 0. A França se junta ao seleto clube de países ganhadores de Copas.
Zidane se tornaria a partir daí a estrela maior do futebol mundial. Ronaldo é escolhido o melhor do Mundial, porque a eleição é feita antes da final. Até a semifinal o brasileiro era indiscutivelmente o jogador mais decisivo. Essa escolha soa no Brasil como piada, aumentando a má vontade para o artilheiro. Ele é um produto de marketing, uma invenção da Nike para vender chuteiras. Ainda por cima amarelou na final. Algum tempo depois da Copa ele se contundiria seriamente e ficaria quase um ano afastado dos campos. Sem seu principal craque, a seleção quase perde a vaga nas eliminatórias para 2002. A torcida brasileira não se cansa de continuar pedindo Romário, mesmo que ele já esteja com 36 anos. Ronaldo sofre outra contusão e seu tempo de inatividade sobe a 2 anos. Artigos de jornal anunciam sua aposentadoria.
E então, no terceiro dia, ele ressuscitou.

ZIDANE

Zinedine Zidane é tão gente boa que nem os brasileiros conseguem sentir raiva do francês que selou a derrota na Copa de 1998. Excepcional lançador, ótimo driblador, com técnica refinadíssima, ainda assim tem humildade suficiente para pôr seus talentos subordinados ao time. Assim fazendo tornou-se um dos melhores apoiadores de todos os tempos.
Zidane nasceu em 1972, filho de imigrantes argelinos e cresceu no bairro pobre de Marselha, La Castellane. De origem humilde, desenvolveu seu futebol no cimento dos conjuntos habitacionais da área. Aos 12 anos acompanhou o campeonato europeu ganho pela seleção de Platini & cia. como gandula. Aos 14 foi descoberto pelos olheiros do Cannes, da primeira divisão francesa e aos 16 já jogava no time titular. Em 1994 estreou na equipe nacional. Entrou quando a França perdia por 2 x 0 para a República Tcheca e fez os gols de empate.
Enquanto no mundo inteiro os técnicos enchiam a meia-cancha com cabeças-de-área para que um único jogador criativo ficasse completamente livre de obrigações defensivas, Zidane tinha disposição e humildade para ajudar a marcar, ir pegar a bola lá na defesa, articular o meio-campo e aparecer para finalizar, como os meias brasileiros da era do 4-2-4. Como bem descreveu o jornalista Luís Henrique Romanholli, o apoiador gaulês é um dos últimos garçons daqueles que pegam a comida na copa e trazem até a mesa. Os brasileiros mais próximos de suas características são Juninho Pernambucano e Ricardinho.
Em 1996 Zidane foi para a Juventus, onde sagrou-se campeão em cima da Internazionale do Ronaldo Fenômeno, e chegou à Copa de 1998 como uma das prováveis estrelas do torneio. Começou bem, mas foi expulso contra a Dinamarca. A equipe sentiu falta de sua organização dentro do campo e melhorou sensivelmente quando ele voltou a articular as jogadas. Até a semi-final suas atuações eram tão elegantes e concisas que não chamavam a atenção da torcida, que achava que ele não estava mostrando na seleção que jogava na Juve. Eles não sabiam que ele estava deixando para aparecer na hora da decisão, como faz todo grande atleta.
Com dois gols de cabeça em cobranças de escanteio, apesar de sua baixa estatura, Zidane liquidou o jogo. Petit ainda marcou um terceiro, já nos descontos, mas foi o descendente de argelinos que liquidou a fatura. Não levou o título de melhor do Mundial porque a escolha fora feita antes da final, mas a FIFA corrigiu o erro escolhendo-o Jogador do Ano em 1998 pela primeira vez. Em 2000 e 2003 ele repetiria a dose, igualando o récorde de Ronaldo Fenômeno.
Em 2000 Zidane estava no auge da forma e comandou a vitória da França na Copa Européia. Em 2001 transferiu-se para o Real Madrid por uma montanha de dinheiro e ganhou o único título que lhe faltava, a Liga dos Campeões, como a indiscutível estrela maior da companhia. Em 2002, após tantas conquistas e sob a pressão de ter que ser a megaestrela do Mundial, acabou sofrendo uma distensão uma semana antes da estréia, num amistoso de preparação. A seleção francesa sentiu tanto sua falta que caiu fora antes das oitavas-de-final, com apenas um ponto e zero gols.
Zidane também teve boas atuações na Copa Européia de 2004, mas a seleção não foi bem e acabou eliminada pela campeã Grécia. Nas últimas temporadas não vem mostrando o mesmo futebol no Real Madrid, mostrando visivelmente um começo de enfado pela vida de atleta e anunciou sua intenção de pendurar as chuteiras após o Mundial, aos 34 anos.
Ainda jovem, Zidane certamente terá uma miríade de opções quanto ao que fazer de sua vida. Inteligente, como demonstra sua capacidade de estratégia e organização de um time, simpático, humilde, defensor da tolerância e do multiculturalismo, casado desde 1993 com uma ex-modelo cristã, o brilhante comandante provavelmente será bem-sucedido seja qual for o ramo em que pretenda empregar seus muitos talentos.

RONALDO FENÔMENO

Ronaldo Fenômeno ganhou esse epíteto quando foi contratado pelo Barcelona aos 19 anos de idade. Desde os 17 que ele jogava no PSV Eindhoven, no pouco divulgado campeonato holandês. No Barcelona, para substituir Romário, que viera do mesmo time, ele literalmente arrancou para a glória. Partindo com a bola dominada para cima das defesas, costurando em alta velocidade entre os beques, descobrindo uma brecha onde ninguém mais via e abrindo uma com o corpo forte onde nem ele encontrava uma, o ainda adolescente encantou os torcedores catalães enquanto estufava as redes vez após outra. Os jornais começaram chamando-o de extraterrestre, mas logo desistiram do apelido e chegaram à conclusão óbvia: o garoto era um fenômeno.
Ronaldo Nazário Lima nasceu no Rio em 1976. Desde pequeno jogava nas divisões de base do Flamengo. Quando tinha cerca de 11 anos, sua família, sem muitos recursos, pediu à diretoria uma ajuda de custo para que ele pudesse pagar a passagem de trem de Bento Ribeiro até a Gávea. O pedido foi negado e ele passou a treinar no São Cristóvão, bem mais perto de casa. Esta sem dúvida foi uma das passagens de trem mais caras da história.
Jairzinho observou-o aos 14 anos no São Cristóvão e, com contactos em seu antigo clube, o Cruzeiro, arrumou uma transferência para o adolescente. Em 1993 Ronaldo já tinha atuado 57 vezes pelas categorias sub-17 do Brasil e marcado 59 gols. Nesse mesmo ano foi promovido ao time titular cruzeirense e foi artilheiro da Supercopa dos Campeões e marcou 12 gols em 14 partidas pela Raposa. E foram os espanhóis que tiveram que descobrir que ele era um fenômeno!
Com tal currículo, o dentuço, ainda em sua fase pré-careca, foi chamado para vestir a amarelinha num amistoso contra a Islândia em que os principais jogadores não atuariam. O garoto entrou e fez gol, assistência, armou jogadas, driblou pela ponta, fez cruzamentos, chutou com os dois pés... enfim, Parreira, que já tinha os 22 quase fechados, foi obrigado a levar o adolescente para a Copa. Por mais que não fosse para que aquele futuro fenômeno ganhasse experiência. E ele ganhou. E uma medalhinha também. Com 17 anos, como Pelé, Ronaldo foi campeão mundial, embora, ao contrário do Rei, não tenha atuado em nenhuma partida, já que Bebeto e Romário eram os melhores atacantes do mundo e - felizmente! - o Brasil não precisou lançar três jogadores de frente em nenhuma ocasião.
Foi daí que ele foi para o PSV Eindhoven, marcando mais um caminhão de gols - 44 em 56 partidas. E isso numa época em que o Ajax, principal rival do PSV, dominava o mundo. No começo de 1996 ele se submeteu a uma cirurgia e chegou nas Olimpíadas de Atlanta ainda fora de forma. Por algum motivo inexplicável - minto, explicável, ele jogava no Flamengo e a nação rubro-negra tem em seus números um fantástico poder para criar ídolos - quem era considerado o próximo gênio do futebol brasileiro era Sávio. Ronaldo era seu reserva. Foi assim durante dois jogos. Em pouco tempo ele estava com a vaga na mão e estufando as redes mais vezes.
Das Olimpíadas Ronaldo seguiu direto para o Barcelona e sua fase áurea. O título lhe foi negado por severos problemas de defesa, que quase acabaram com a carreira de Vítor Baía, que era considerado um dos melhores goleiros do mundo na época. Suas jogadas sensacionais rodavam o mundo nas telas de tevê. Com raciocínio rápido, inteligente, ótimo nas enfiadas curtas, capaz de criar uma jogada numa fração de segundo e antecipar o pensamento dos defensores, era uma missão quase impossível detê-lo. Tendo ganho massa muscular em sua temporada na Holanda, os beques não conseguiam levar vantagem no corpo. Ainda com menos de 20 anos, era extremamente veloz, sempre com a bola sob controle e, quando os adversários achavam que já tinham cercado todas as opções do garoto, ele criava uma nova do nada, fazendo uma jogada completamente inesperada. Sem surpreender ninguém, a FIFA escolheu-o o melhor jogador do mundo de 1996. Apesar de ser reconhecidamente deficiente nas cabeçadas e não ser um grande chutador, perdendo muitas oportunidades, ele compensa criando outras do nada logo em seguida.
Com tanto sucesso, a Inter de Milão fez uma oferta milionária por ele e o levou. Muita gente achou que não era uma idéia tão boa assim, já que ele tinha excelente ambiente no Barcelona, jogando numa Liga que favorecia o ataque e o futebol bonito, para jogar na capital mundial da retranca. Mas era muita grana e o dentuço não recusou. E continuou aumentando sua lenda. Marcou 25 gols em sua primeira temporada, números extremamente respeitáveis, embora não tenha sido o artilheiro. Tanto que a imprensa italiana passou a chamá-lo também de Fenômeno, principalmente depois do segundo título consecutivo de melhor jogador do mundo.
Mas uma estrela começava sua ascensão na Itália, a única megaestrela que dividiu o posto de melhor do mundo com ele antes que Ronaldinho Gaúcho se firmasse. Zinedine Zidane, jogando na Juventus, comandou o time ao título da Liga e a seleção francesa ao da Copa. E até hoje a torcida brasileira é magoada com o nosso dentuço por causa desse confuso Mundial, como se pode ler no capítulo pertinente. O Fenômeno era visto como um garoto que jogava na Europa, apoiado por uma campanha de marketing monstruosa que queria forçá-lo como melhor do que Romário, que grande parte da torcida adorava cegamente por ter levado o futebol brasileiro novamente ao Olimpo depois de quase um quarto de século.
Ronaldo tinha 21 anos e o mundo inteiro esperava não que ele fosse ser a estrela do Mundial, mas que ele fosse ter atuações dignas de Maradona, Pelé e Garrincha. Jogo a jogo, num time cheio de divisões, brigas e grupinhos que não se falavam, o Fenômeno fez gols, armou jogadas e carregou a equipe até a final. Mas a torcida continuava cobrando-o, julgando-o bem abaixo da expectativa, para não falar do que Romário mostrou no Mundial de 1994.
Numa história muito mal explicada, inclusive no capítulo sobre aquela Copa, Ronaldo teve uma convulsão antes do jogo da França e entrou em campo sem perfeitas condições. Jogadores mais religiosos chegaram a pensar que ele estivesse possuído pelo demônio. O time inteiro afundou com ele na final. E, além de "fenômeno de marketing", passou a ser taxado também de "amarelão".
Não adiantava que ele tivesse sido artilheiro e campeão das Copas América de 1997, 1999 e das Confederações em 1997. Não importava que ele tivesse sido eleito o melhor do Mundial de 1998 (injustamente, é claro, mas a FIFA ainda não aprendeu a esperar depois da final). Ele continuava sendo apenas um bom atacante, que jamais seria um Romário, que aliás, deveria estar na seleção, mesmo com 33 anos. Cansado e esgotado, o garoto, que vinha jogando sem parar em todos os torneios mais importantes do mundo desde 1996, precisou fazer uma operação no joelho, que vinha adiando desde antes da Copa da França. Ficaria quase um ano parado. A torcida brasileira não lamentou tanto sua falta para as eliminatórias. Rivaldo acabara de ser eleito o melhor jogador do mundo em 1999, tendo sido artilheiro da Espanha - e ainda por cima campeão, coisa que o Fenômeno não conseguira.
Todos viram o que aconteceu nas Eliminatórias. Sem seu ponto de referência, sem o homem que todos respeitavam, o Brasil saiu tropeçando sem parar pelo caminho e teve 3 técnicos diferentes. O problema não eram os treinadores. Era a falta do elemento genial. Que lutava para não encerrar sua carreira.
Ronaldo voltou aos gramados e precisou fazer nova operação. As imagens do seu joelho saindo do lugar e dele ajoelhado agarrando-se ao seu fisioterapeuta rodaram o mundo. Somente uma nova e moderníssima técnica poderia levá-lo de volta aos campos. E a recuperação levaria mais de um ano. E seria longa e cansativa. Ronaldo aceitou o desafio. E o resto é história, como pode ser acompanhada no capítulo sobre a Copa de 2002.
Depois de protagonizar um incrível enredo em que um sujeito completamente por baixo, liderando um bando em quem ninguém mais acredita, tendo que depender de pura força de vontade para conseguir mostrar seu jogo, depois de anos parado e em recuperação, somente para se sagrar campeão e artilheiro, Ronaldo foi para o Real Madrid. Pela primeira vez a torcida brasileira o aceitava como ídolo sem reservas. Alguns meses depois venceu o Mundial Interclubes, sendo escolhido o melhor em campo, o que lhe garantiu a eleição como Jogador do Ano pela terceira vez, feito inédito, só igualado por Zidane logo depois.
Ronaldo vem enfrentando problemas físicos ultimamente, resultado sem dúvida de uma carreira profissional que se estende desde os 16 anos, disputando os mais renhidos e importantes torneios do mundo sem parar. Isso sem contar as seriíssimas cirurgias que sofreu. Valendo-se muito de seu corpo forte e sua arrancada para seus dribles, é um jogador que depende muito de boa forma e não tem uma recuperação rápida. Mas se chegar em boas condições à Copa, tenha certeza absoluta que será uma das estrelas de maior brilho da galáxia do futebol. Como vem sendo desde a adolescência.