agosto 28, 2009

Os Cinco Computadores (+1) Mais Perturbados do Cinema

5.O Vortex (Zardoz, de John Boorman)

No futuro, a ciência consegue descobrir a imortalidade. Os cientistas então se fecham numa comunidade regulada pelo computador central para tentar desvelar o enigma do Universo e, após uma eternidade, fracassam e passam outra eternidade sem ter nada o que fazer e incapazes de morrer, pois o Vortex está programado para reconstruí-los. Numa trama porralôca e psicodélica, bem ao gosto da época (1973), o bárbaro Sean Connery é subrepticiamente alfabetizado e educado para que tente se infiltrar no Vortex e destruí-lo, trazendo de volta a libertação da morte e o sentido da vida.

4.O Computador Central (Alphaville, de Godard)

O computador controla a cidade e a vida de todos os cidadãos, consequentemente tolhendo-os de iniciativa e criatividade. Os habitantes parecem felizes, mas um personagem se indaga se milhões de anos antes as formigas e os cupins não teriam tido seus artistas e escritores, antes de construírem suas sociedades perfeitas. Lémy Caution, uma espécie de Phillip Marlowe francês, é trazido de sua série de filmes noir, com o intérprete original e tudo, pra nesta ficção científica da nouvelle vague, desafiar o cérebro eletrônico com jogos de palavras e poesias, artifício tão legal que depois seria chupado em Jornada nas Estrelas, The Monkees, desenhos da Hanna Barbera e muito mais, logo virando um clichê.

3.Hal (2001, de Stanley Kubrick)

Este todo mundo conhece. O olho vermelho com a fala mansa que não hesita em matar toda a tripulação para manter a missão e ainda se desculpa quando diz a Dave que não pode abrir a comporta. Mas ele paga por seus pecados sendo lobotomizado, com uma das mais famosas súplicas da tela luminosa (“Dave, stop... stop, Dave) e Dave segue em seu caminho para tornar-se um semideus, renascendo no espaço como um feto em órbita.

2.Colossus (Colossus)

Esqueci no momento o nome do diretor de Colossus 1980: Project Forbin, mas vocês podem checar no IMDB se quiserem. Um cientista cria um computador para controlar todo o sistema de defesa americano. Ele no entanto percebe que seu único igual no mundo é sua contraparte russa e os dois se aliam para controlar a humanidade. Numa das melhores cenas, o cientista russo que criou o monstro é assassinado por agentes russos mesmo, quando conversava com colegas para pensar numa solução, chantageado pelo cérebro eletrônico que ameaçava liberar umas ogivinhas nucleares.

1.O computador central Krell de Altair IV (Planeta Proibido, de Larry Wilcox)

Os avançadíssimos Krell desapareceram todos num único dia – pior que os dinossauros. Como herança, um computador central que ocupa todo o interior do planeta... e é capaz, como se descobre depois, de concretizar desejos. Os Krell só não sabiam que a interface telepática iria captar também os desejos subconscientes de morte, vingança e destruição e numa única noite toda a raça foi massacrada. O mesmo por pouco não acontece com uns terráqueos depois que um capitão estelar intempestivamente come a filha de um cientista (sempre os cientistas...), únicos sobreviventes da colônia humana do planeta, mas felizmente o resto do bando de militares positivistas estava por perto para corrigir tudo. O enredo parece saído de Jornada nas Estrelas, mas na verdade foi Jornada nas Estrelas que saiu desse filme, como confessou o criador da série original, Gene Roddenberry. O melhor filme de ficção científica dos anos 50 e um dos melhores de todos os tempos.

E, na posição extra:

O computador da bomba de Dark Star, de John Carpenter

Um bando de lixeiros espaciais entediados ativa sem querer a bomba que carregam pra explodir refugos e asteróides imprestáveis e, seguindo o conselho do cadáver congelado de seu ex-capitão (não pergunte), tenta impedi-la de explodir discutindo fenomenologia com ela. O pior é que conseguem convencer a bomba a dar um tempo e aprender um pouco mais sobre si mesma antes de explodir, e se explodir por um erro não seria o desperdício de uma consciência, mas eles são tão manés que vivem ativando-a sem querer, até que ela chega à conclusão de que precisa assumir sua identidade de bomba explodindo e destrói a nave e todos os personagens. Uma interessante porraloquice de estreia pra Carpenter, que depois se tornaria um ícone do terror B, com fitas bem mais inteligentes do que seus congêneres – Halloween, Christine, O Enigma de Outro Mundo...
And I sleep all the time
In my dreams
You walk with me

agosto 27, 2009

Set the Controls for the Heart of the Sun



Saiu no Times. Um entusiasta de fotografia, com uma tremeeeenda teleobjetiva, capturou essas imagens da Atlantis e do Hubble contra o Astro-Rei. Lindíssimas.

agosto 23, 2009

Trânsito Lento na São Clemente

- Você até hoje não consertou esse ar condicionado?
- Eu só lembro quando entro no carro e quando eu entro no carro, eu já tô indo pralgum lugar.
- Você não derrete aqui não?
- Ainda não.
- Eu vou acabar passando mal. Ainda mais com esse engarrafamento todo.
- Que que você quer que eu faça? A hora que você marcou é assim mesmo, os colégios todos tão dando a saída do turno da manhã, as mães vêm buscar, engarrafa tudo. E o que não falta aqui é colégio.
- E será que serve pralguma coisa?
- Como assim?
- Será que serve pralguma coisa? Será que eles aprendem alguma coisa?
- Você estudou aqui, né?
- Foi.
- Hm.
E, depois do rapaz, um pouco de silêncio. A moça então abriu a bolsa e pegou um cigarro.
- Já que você não consertou o ar condicionado...
- Você não sabe que no seu estado não se deve fumar?
- Não vou ficar nesse estado por muito tempo.
- Nunca dura muito tempo.
- Do que estamos falando?
- Do tempo.
- Não, o tempo do quê? Tempo de amor, tempo de vida, tempo de sexo...
- Sexo tem tempo?
- Tem hora de começar e acabar.
- Não tem hora de acabar.
- Mas você não sabe que tem hora de começar.
- Estamos nebulosos hoje, hein?
- Embaraçados, talvez.
- Não devíamos.
- Numa situação destas?
- Pois é. Eu achava que você não ficaria embaraçado. Por isso que eu te chamei. Pensei que você não ficaria embaraçado.
- Em quem mais você pensou pra chamar?
Silêncio.
- Você tem tantos amigos.
- Amigas.
- Elas se embaraçariam menos.
- Elas iam ficar com pena e se acharem superiores. Elas e seus namoros chatos e monogâmicos. Seus homens chatos. Suas vidas chatas.
- Suas amigas e você fala assim delas?
- Justamente. Eu as conheço o suficiente para saber como se sentiriam.
- Você não errou quanto a mim?
(A garota vira o rosto lentamente na direção dele quando ele fala isso, fica procurando um sinal de segundas intenções, dubiedade, ela sabe que ele sabe usar subtexto, ela sabe que ele sabe ser sutil, ela sabe que ele sabe insinuar, ela sabe que ele sabe esconder, ela sabe que ele sabe dissimular, mas ela não sabe por onde começar, ela está abalada e não sabe por onde começar a leitura no rosto dele, os óculos escuros não ajudam muito, a concentração dele no trânsito em frente, o sol forte apagando todas as tênues fronteiras entre luz e sombra, ela não sabe se é só isso, ela não sabe se é porque ela não quer, não quer saber, mas ela não consegue, não consegue ler o rosto dele e saber o que ele está pensando, se ele insinuou e então pergunta)
- No que você está pensando?
- Que você vai liquidar legal tua poupança.
- É. Vou.
- Com dinheiro você é sempre tão cuidadosa.
- Eu tenho pouco, tenho que cuidar dele.
- Do teu corpo também.
- Ele se cura sozinho.
- Dinheiro também. É que teu corpo não te atrai.
- Dinheiro não me atrai.
- Não. O valor material dele não. Você não é disso. É o poder.
- O poder?
- O poder. Não o de comprar coisas ou mandar nas pessoas. Mas a idéia. A idéia intrínseca. Ele é aberta e escandalosamente forte.
- Ele não traz a felicidade.
- Mas leva embora.
- Você sempre tem uns pensamentos tão esquisitos...
- Lógicos.
- Não, não são lógicos. Você não age que nem as pessoas normais.
- Elas é que são ilógicas.
- Então? Não é você que é o esquisito nesse caso?
- Eu não sou esquisito. Eu só estou te dando uma carona e uma força. Eu nem devia, se fosse tão lógico assim.
- Eu sei.
Ela abaixou os olhos. Ela é uma menina muito orgulhosa. Ele acha que nunca a viu fazendo isso. Ela sempre teve uma explicação para tudo. Ela está cansada e abatida. Não queria se deixar ver assim, mas ela está assim, está cansada e abatida. Ela não só abaixa os olhos, ela abaixa os olhos e ainda vira o rosto para o lado. Ela está cansada e abatida. O outro lado, longe dos olhos dele. Longe. Longe dos olhos.
- Era esse assunto que estávamos tentando evitar, não era?
- Era.
- Por que você me chamou?
- Eu não confiaria em mais ninguém.
- Não?
- Não.
- Tem certeza? Foi esse o único motivo?
Ela está longe, ela está alquebrada, mas é orgulhosa demais para responder "não", verdade ou mentira. Ela está longe dos olhos.
- Olha só você. Depois de tudo. De tudo que eu fiz, de tudo que a gente passou esse tempo todo, você tá aí.
- Tô. Eu sempre estive "aqui". Do seu lado. Sempre estive à sua disposição.
- Eu sei.
Silêncio.
Os olhos dela marejam enquanto ela continua longe do olhar dele. Ela não quer perguntar, ela não quer saber, ainda há pouco não conseguiu ler o rosto dele, não quer arriscar, é melhor a dúvida eterna do que a certeza negativa, mas o coração é ilógico, ela é normal como os outros, ela não é esquisita como ele, ela precisa, ela quer, ela deseja saber. E segue.
- Mas depois de tudo que eu te fiz... você não precisava mais estar do meu lado. Se eu estivesse ao teu lado que nem você do meu não tava assim agora. Por que quando eu te liguei você não me bronqueou? Não me pagou um esporro? - soluço - Não desligou na minha cara? Não gritou? Não fez nada. Nem chorou. Nem ficou triste. Disse que me levava. - entrecortada - Disse que ficava comigo. Disse que esperava eu acordar. Que me levava pra tomar um sorvete depois. Disse que me ajudava no que fosse possível. Nem ao menos levantou a voz. Por quê? Por que você não me bateu, não gritou comigo, não me mandou embora, por que você me tratou tão bem, por quê?
Ela nem olhava o rosto dele, não queria ler, não queria não saber ler a expressão, expressão do rosto, expressão corporal, ele podia parecer misterioso à primeira vista e reservado demais e incapaz de arrebatamento e paixão à segunda, mas ela o conhecia o suficiente, mas agora não parecia mais capaz disso. Só de esperar a resposta, que demora um pouco, ele não responde de cara, a garganta dela não está mais livre, tem muco e soluços e dúvida e tristeza, tem tristeza, ela está longe de casa, longe da mãe, longe de ser mãe, longe de estar pronta para lhe ouvir a resposta, que chega, vem devagar e firme, devagar e certa, devagar e triste como a garganta dela, vem longe, vem de longe que seus tímpanos já ouvem mais os sons de dentro dela.
- Eu acho que não te amo mais, Cecília.
E depois ela não ouve mais nada que começa o choro, escondido, longe dos olhos dele, longe dos olhos, longe do coração.

O Limiar

Imóvel envolto em suor
e sua hemorragia
(levando-o a queimar de sede)
Arfante e ofegante
Respirando com dificuldade

Um sorriso em suas palavras
herança ao seu derradeiro público:
"vida, lembrem, é muito pouco
Ar e água.
O resto é imaginação"

A Fronteira Final - A Primeira Temporada de Jornada nas Estrelas, a série original



A Cidade na Fronteira da Eternidade

Anteriormente: O Ardil Corbomite


Rapaz, o blogueiro já tinha visto e lido “A Cidade na Fronteira da Eternidade” uma caralhada de vezes e só nos créditos finais do DVD é que descobriu que a ativista pacifista é a Joan Collins! Deve ser porque ela passa o tempo todo vestida da cabeça aos pés e sem armar nenhuma sacanagem pra cima de alguém. Minto, com seu pacifismo ela ia armar a maior sacanagem pra cima da raça humana, mas felizmente o capitão Kirk estava lá pra dar um novo significado a “livrar-se de uma mulher depois de dar uma bimbada”.

Estou sendo injusto com o maior capitão estelar de todos os tempos. A história na verdade é mais uma sobre responsabilidade pessoal e sacrifício – dos outros, o que sempre é mais fácil, embora Kirk já tenha se oferecido em troca da Enterprise em “O Senhor de Gothos”. O autor deste programa que muita gente considera a melhor coisa já feita em qualquer “Jornada nas Estrelas” é o hiperultramegaescritor de ficção científica Harlan Ellison, famoso por seus chiliques histéricos. Aqui ele reclamou porque queria abordar drogas ilegais na Enterprise. Um tripulante comprava uma dose nos deques inferiores da nave, tinha uma bad trip e se transportava prum planeta abaixo. Não havia espaço pra isso na utopia de Roddenberry e o blogueiro acredita que tampouco haveria na tevê americana de 1966, daí o troço todo foi reescrito pelo criador da série e por D. C. Fontana.



A nave enfrenta turbulências temporais. Sulu se estabaca todo na ponte e desmaia. McCoy chega e diagnostica arritmia, dando-lhe uma injeção de cordrazine, uma substância perigosa. Outra sacudida na Enterprise e o médico de bordo acaba se ferindo com a seringa e injetando uma overdose nele mesmo, tendo um surto paranóico e se transportando pro planeta que parece ser o vórtice dos distúrbios cronológicos. Descem atrás dele Kirk, Spock, Scott e Uhura (como sempre, por que tem que descer todo o alto comando? Quem comanda a NCC 1701 se algo acontece com eles?) e encontram um portal que é o Guardião do Tempo, uma entidade que é a entrada para qualquer ponto do tempo.



Isso tudo acontece nos primeiros dez minutos e tanta coisa e tanto conceito sendo apresentado já dariam um programa completo. Mas McCoy sai correndo e se atira dentro do Guardião e imediatamente a Enterprise some. Ele fez alguma merda no fluxo temporal e sobra pra Kirk e Spock irem atrás dele e consertarem a zorra toda.

Tudo bem, isso hoje em dia é manjadíssimo, desde “De Volta para o Futuro” até “Uma Família da Pesada”, passando por “Exterminador do Futuro”, todo mundo já teve um dia que consertar o passado. Mas lembrem-se, estamos em 1966 e o conceito ainda é novo e originalíssimo pros então caretíssimos enlatados americanos. E ele vai ser muito bem desenvolvido pela próxima meia hora.

Sim, meia hora, porque “A Cidade na Fronteira da Eternidade” é um primor de técnica narrativa. Depois desses acontecimentos todos aí em cima, Kirk e Spock caem nos EUA da crise de 29, vão atrás de McCoy, conhecem Edith Keeler, Kirk se apaixona por ela, Spock constrói um precário computador com válvulas e diodos para tentar saber o quê exatamente tem que mudar no passado, até descobrir que... Edith tem que morrer.



As cenas de amor são bem redigidas e temos o momento mais terno de “Jornada nas Estrelas”, quando Kirk e Edith caminham lado a lado e o capitão aos poucos segura na mão dela. Os diálogos são inusualmente poéticos, Edith tem ótimos momentos descrevendo a personalidade dos dois tripulantes da Enterprise e ainda há tempo até para humor, como quando Kirk e Spock precisam roubar roupas que chamem menos atenção que os uniformes estelares e Kirk apresenta o vulcano como se fosse “obviamente chinês”, com suas orelhas tendo sofrido um “acidente”. A interação entre os dois é tão boa que seria uma ótima introdução da série a quem a conheceu somente através do longa de J. J. Abrams que rebutou o universo trekkie.



A produção, levando em conta os parcos recursos, consegue transmitir perfeitamente a ambientação de 1930 e a iluminação é excelente, com belas cenas noturnas e de claro-escuro. A direção é um tanto estática, mas novamente não é problema porque as excelentes atuações de todo mundo prendem nossa atenção. Joan Collins, a arquiperua da tevê dos anos 70 e 80, rainha das minisséries adaptadas de best-sellers de Harold Robbins e estrela de “Dinasty”, a vagabunda da antiguidade em “Terra de Faraós” e um monte de épicos italianos, tem um desempenho espetacular e com relativamente pouco tempo em cena consegue convencer perfeitamente como ativista social (fazendo um discurso positivista com as ideias de Roddenberry aos mendigos que alimenta, sobre como eles podem mudar suas vidas) e como moça apaixonada pelo capitão, como nenhuma das atrizes antes conseguiu passar. O momento em que ela contracena com McCoy (sem saber quem ele é) e fala que vai ao cinema com seu namorado (“my young man”) tem uma ternura simples – e com diálogos excelentes - que transmite uma sinceridade ausente de todos os romances do capitão Kirk.



Em suma, o programa inteiro é de alto nível,mas o blogueiro sempre teve uma implicância com ele por causa da razão pela qual Edith tem que morrer: seu pacifismo. Spock descobre que em 1936 ela é uma importante líder ativista e se encontra com o presidente Roosevelt, convencendo-o a ficar de fora do conflito europeu que se avizinhava (a II Guerra Mundial, porra!). O vulcano chega mesmo a comentar que as ideias dela eram corretas, mas na época errada.

Em primeiro lugar, tal declaração vai diametralmente de encontro ao sublime “Missão de Misericórdia”, exibido originalmente duas semanas antes deste, e sua defesa intransigente do pacifismo e da resistência passiva. É verdade que Roddenberry tem uma visão positivista que inclui assumir as responsabilidades e lutar pessoalmente por aquilo em que se acredita, mas a inclusão de tal detalhe neste belíssimo episódio parece ser uma crítica às manifestações antibélicas da época do Vietnã, o que também contraria as posições tomadas no decorrer de quase toda a primeira temporada.

Em segundo lugar, o motivo pelo qual Edith tem que morrer perpetua a ideia errada de que os americanos foram atrás de Hitler para defender a democracia e salvar o mundo livre. À altura em que eles entraram na guerra o mundo livre já tinha ido pras cucuias – só tinha sobrado a ilha inglesa - e na verdade eles acabaram foi dando uma tremenda força pra totalitária URSS vencer os nazistas, coisa que já tinham começado a fazer. E durante toda a década de 30 e começo dos anos 40, a população ianque na verdade era vigorosamente contra qualquer intervenção nos asssuntos daqueles europeus decadentes, sem precisarem de uma ativista pacifista pra isso. Roosevelt sim, queria ir à luta no Velho Mundo, mas tal ação era tão impopular que foi preciso que os japoneses atacassem Pearl Harbor e a Alemanha, esta sim, declarasse guerra aos EUA pra que os estadunidenses finalmente pegassem em armas. E até hoje somos obrigados a ouvir que os gringos eram bonzinhos e por isso, sem que ninguém pedisse, foram atrás dos germânicos maus, que a invasão da Normandia foi o ponto de virada da II Guerra, que o fronte europeu era o principal, que os irmãos Wright inventaram o avião e Thomas Edison inventou o cinema.

Mas, tirando isso, não há como se negar a força – ainda mais para 1966 – de ver nossos heróis friamente impedindo McCoy de tentar salvar a apaixonada ativista quando ela atravessa a rua. A direção sensatamente poupa os chocados espectadores de verem o atropelamento, do qual ficamos sabendo só através dos rostos da galera da Enterprise, com DeForest Kelley, em um de seus melhores momentos, perguntando, “eu poderia tê-la salvo e vocês me impediram. Por quê?” Material completamente inesperado pra plateia da época, viciada em imutáveis finais felizes e levada a questionar a importância da felicidade pessoal, das escolhas e da responsabilidade de cada um. Uma questão de consciência que deve ter pego o público todo de surpresa e que virou um clássico no universo de Jornada nas Estrelas.

Digno de nota:
- Contagem de corpos: uma ativista pacifista em 1930.
- Avistamentos de tenente Leslie: nenhum, mas Eddie Paskey foi quem dirigiu na filmagem o caminhão que atropela Edith.
- O final original de Harlan Ellison puniria o tripulante drogado a causar toda a confusão prendendo-o no centro de uma supernova durante toda a eternidade. Mesmo antes que o autor da zona virasse o McCoy, Roddenberry objetou porque seu universo favorecia a redenção em lugar da punição e sugeriu que o sujeito se arrependesse amargamento do que fizera e ficasse no passado pra sempre pra continuar tocando a obra social da moça.
- O roteiro original de Ellison também previa que Kirk apaixonado, cansado da dura vida de capitão estelar, resolvesse ficar no passado e tentar impedir Edith de mudar o futuro, o que leva Spock a matá-la (!!!!) com um phaser (!!!!!!!!!) (e mais !!!!!!!!!!). O metatransarquiescritor ganhou vários prêmios com seu script, que foi publicado em livro, e certamente influenciou os quadrinhos e as telesséries dos anos 90, mas, embora interessante material, certamente não se encaixava em nada nos personagens que a esta altura os espectadores já conheciam bem.

Fogueira na Praia

De noite não fica muita gente. É hora de se arrumar e sentar num bar, é o que se espera num lugar de veraneio. Então ficam vários pescadores, depois das curvas das pedras, arrumando seus chicotes com linha transparente sob luz de lampiões, preparando seus anzóis feitos para serem pouco visíveis contra o fundo de areia. São poucos, mas anunciam suas presenças com pontos de luz e altas varas fincadas em estacadores. E nem reparam no território, os melhores têm que ter todos os sentidos voltados para o bambu - visão, audição, tato. Paladar e olfato eles guardam pra depois que o peixe sai. As praias esvaziadas são os territórios deles à noite.
O Marcos não tá pescando.
E chega perto dele a Rita.
- Oi.
O Marcos levanta o olhar da fogueirinha.
- Me dá um gole?
- Ainda nem abri.
- Eu abro.
A Rita pega a garrafa de cachaça, põe o gargalo entre os dentes e abre.
O Marcos, é claro, não espera que mulheres - e com menos de vinte - façam essas coisas despudoradamente por praias noturnas.
- Eu não esperava que mulheres - e com menos de vinte - fizessem essas coisas despudoradamente por praias noturnas.
(A Rita está dando um gole e engolindo).
- Quer dizer, já não é muito de se esperar que gostem de cachaça de estranhos...
- Horrível.
- Hã?
- "Cantinho da Roça"... que cachaça é essa?
- Eu não sei. Eu ia usar pra avivar a fogueira.
Abriu uma das malas com um conhaque, tirou a tampa e deu um gole.
- Só pra me esquentar.
- Por que você não comprou uma garrafa de álcool?
- Comprei num posto 24 horas. Nem vi se tinha álcool.
- Na bomba tinha.
- Com certeza.
Mais um gole.
- Pensei que você tivesse achado horrível.
- Estou com frio.
- Não quer conhaque?
- Não gosto de misturar.
- Você só deu um gole na cachaça.
- Dois.
- Pra quem tá bebendo tanto, você tá fazendo conta muito bem.
- Eu não bebo tanto assim.
- Quem abre garrafa com os dentes...
- Meu pai me ensinou. Eu abria Coca-Cola assim. E às vezes cerveja. Meu pai é que gosta de caipirinha. Mas ele bebe cachaça boa. Meu tio que faz. Ele daqui a pouco deve aparecer pra pescaria.
- Então aquele é o seu pai?
Ela senta perto dele.
- Quem você achou que fosse?
- Ninguém.
- Meu namorado?
- Ele não é grande e forte o suficiente pruma menina que abre cachaças com os dentes.
- Eu quase não bebo.
- Tá certo. Então você é só a selvagem da Diet Coke.
- Eu não gosto de Diet.
- Hm... é... é... claro que não... com esse corpo maravilhoso, pra quê essas preocupações?
- Meu corpo não é maravilhoso. Olha, eu tenho culote.
- Eu olho com uma perspectiva quinze anos além do seu tempo.
- Hã?
- Esquece, garota.
- Rita.
- Seu nome?
- É. Qual é o seu?
- Não sei se acredito que esse é o seu nome.
- Por que que eu ia mentir?
- Por que você diria a verdade?
- Eu não conheço você, pra que que eu ia precisar mentir?
- Ha. No começo é sempre assim. Nós não nos conhecemos. Então tudo que dizemos um pro outro é sempre verdade. Não temos como saber, não temos como descobrir. Depois o casal passa a se conhecer bem demais. Até pra saber que o outro está mentindo quando pensa que está contando a verdade.
- O que tem isso a ver com o meu nome?
- "A linguagem é um vírus do espaço exterior/Eu prefiro conhecer seu rosto do que seu nome".
- Mas você já sabe os meus dois e eu ainda nem conheço o seu nome.
- Prefira o meu rosto.
- Olha, eu acho que é melhor que você tenha um nome bem bonito.
- O que você acha um nome bonito?
- Um nome que seja gostoso de ouvir. Não precisa dizer o seu não.
- Ué, por quê?
- Porque se o seu fosse gostoso de ouvir, você ia gostar de falar.
- Aposto que você desconcerta todos os seus amigos...
- Eles já vieram quebrados de fábrica.
- Desconcertar não quer dizer quebrar. Quer dizer deixar sem reação.
- Tanto faz. Eu não tenho namorado por causa disso.
- Porque você os desconcerta?
- Não, porque eles já vieram quebrados de fábrica.
- E nunca teve?
- Claro que já.
- E esses não vieram quebrados de fábrica?
- Vieram. Mas vieram bonitos também. Carinhosos. Gostosos...
- E quantos foram?
- Menos do que suas namoradas.
- Eu posso ter casado cedo.
- Ela não ia te deixar aqui sózinho. Ou então vocês não se gostam e você tem um monte de namoradas mesmo assim.
- Eu não tenho um monte de namoradas.
- Claro, se não não ia estar aqui sozinho.
- Então por que perguntou?
- Porque eu não queria dizer quantos namorados eu tive.
- Você podia ter dito isso desde o começo.
- Aí você ia insistir.
- Não devem ter sido muitos, você também está sozinha aqui.
- Eu estou com o meu pai.
- E eu estou com a minha fogueira. Meu álcool. Minhas coisas por queimar.
- Que coisas por queimar?
- Umas coisas que eu nunca quis jogar fora, mas que não tem mais espaço pra elas nem na casa de praia.
- Você podia só jogar fora.
- Eu gosto de uma fogueira.
- Podia dar pra alguém.
- A quem interessaria revistas em quadrinhos velhas, cadernos de anotações, cartas, bilhetes e cartões postais antigos..?
- Aposto que as fotos você guardou...
- Guardei.
- Por que todo mundo sempre joga fora escrito e nunca joga fora foto?
- Não sei. Vai ver que é porque o espírito nunca envelhece então a gente não precisa olhar alguma coisa pra lembrar como era.
- Isso você quer dizer que escrito vem do espírito?
- É.
- Então, se espírito nunca envelhece, porque minhas redações quando eu era pequena eram tão bobinhas?
- Por que você ainda precisava aprender muito...
- E aprendendo você não envelhece?
- Não. Podemos ficar mais velhos, mas não mais sábios.
- Mas podemos ficar mais sábios sem ficarmos mais velhos?
- Nós nunca ficamos mais sábios, Rita.
- Eu sei. Eu não me sinto mais sábia.
- É que ainda não deu tempo pra você.
- Deu sim. Eu entendia melhor o mundo quando era criança.
- E o que você entendia dele?
- Entendia o que era bom e o que era mau.
- E o que era mau?
- Era o que era errado.
- E hoje em dia não é mais?
- Beber é errado. Eu sou má?
O Marcos ri.
- Temo profundamente que sim. Você deve destruir corações de garotos da sua idade...
- Eu não sabia que eles tinham coração.
- Eles têm. É que eles escondem.
- E por quê?
- Pra você não os destruir...
- Eu não me interesso por eles. Nem eles e nem os corações.
- Eu sei. Por isso que você os destrói.
- Mas eu realmente não me interesso.
- Pois imagine isso: um deus só existe se alguém acredita que ele exista. Um coração só resiste se alguém se interessa por ele.
- Não entendi.
- É como um daqueles enigmas zen: qual o som de uma árvore caindo no meio da floresta quando não há ninguém para ouvi-la?
- Bum.
- Como se pode saber se não há ninguém para ouvi-la?
- Então ela pode fazer bam. Bim. Bom.
- Sim, mas como dizer?
- Então é que nem a luz da geladeira?
- É. É que nem a luz da geladeira.
- E o que tem isso a ver com corações de meninos?
- Boa pergunta.
Silêncio.
- É que eles não batem se não batem por ninguém.
- E por quem o seu bate?
- Você falou que não queria me perguntar isso...
- Eu não queria perguntar, mas queria saber.
- Eu não tenho coração.
- Se não tivesse, não conversava comigo tanto tempo. Não me dava álcool. Não vinha a uma praia e acendia uma fogueira.
- Praias fazem frio.
- Em casa é quentinho.
- Nem sempre.
- Lá em casa é. Meus pais me dão apoio pra tudo.
- Há muito tempo que não moro com meus pais.
- Você devia dar apoio pra tudo pros teus filhos.
- Eu não tenho filhos.
- Então você devia dar apoio pra tudo pros teus cachorros.
- Eu não tenho cachorro.
- Gatos?
- Não.
- Peixes?
- Pra quem veio com o pai ferrar alguns, essa é uma pergunta estranha.
- Nada, quem se ferra mais é o meu pai, sempre pega menos do que disse que ia pegar.
- A Natureza é sábia. Assim, nossos filhos ainda terão peixes para pescar.
- Você não tem filhos.
- Posso ter ainda.
- Então por que não teve ainda?
- Não sei. Por que você não teve ainda?
- Ainda estou em fase de crescimento. Meu útero ainda não está cem por cento.
- Deus tenha piedade dos rapazes quando ele chegar nessa percentagem.
- Você fala como se não fosse um rapaz.
- Sou um homem.
- Desde quando?
- Desde que comecei a fogueira.
- E quando ela apagar?
- Você já vai ter ido pra casa.
- Não. A gente tá numa pousada.
- E você não se sente em casa nela, quando volta do dia pescando ou rodando as praias ou paquerando ou dançando?
- Não.
- Onde você se sente em casa?
- Aqui.
- Não tem nada te cercando aqui.
- Então...
- Mas você falou que sua casa é quentinha.
- Aqui é quentinho. Tem até fogueira.
- Ainda não acendi.
- Mas tem a fogueira: o álcool, a madeira, o jornal. Só falta o fogo.
- O fogo é que faz o calor.
- Pensei que era o coração.
- E o que você acha que é o coração da fogueira?
- Quem põe fogo.
Silêncio. Gole de cachaça. Gole de conhaque.
A garota pega uma das histórias em quadrinhos.
- Me dá?
- Você gosta de história em quadrinhos?
- Passo a gostar.
- Por que que eu a daria pra alguém que nem conhece quadrinhos?
- Porque você gosta de mim.
- Eu mal a conheço, como posso gostar de você?
- Porque eu sou bonita.
- A beleza está nos olhos de quem vê.
- Os meus são claros.
- Você é toda clara e luminosa.
- Então você gosta de mim.
- Passo a gostar.
- Hi. Que nem eu com os quadrinhos.
- Ou com a cachaça.
- Ainda não passei a gostar dela.
- Então por que continua bebendo?
- Porque você não me oferece o conhaque.
- É melhor você não misturar.
- Eu sempre preferi tudo misturado. Me dá os quadrinhos?
- Por que você os quer tanto?
- Eles vão pegar fogo.
- E você se identifica com isso?
- Hã?
- Você também está prestes a pegar fogo?
- Eu não, ninguém tá me jogando fora. Posso ficar com os quadrinhos?
- Eu... não sei.
- Você não vai começar a fogueira?
- Pois é. Eu não sei.
- Por quê?
- Eu estou com medo.
- Dela fugir ao controle?
- Eu nunca tive nenhum controle sobre o fogo.
- Então por quê?
- Porque eu tenho medo de queimar essas coisas e não sentir nenhuma falta delas.
- Você não quer dizer "sentir muita falta delas"?
- Não.
- Não entendi.
- Você não tem anos o suficiente nas coxas...
- Coxas?
- Desculpe, ato falho. Eu queria dizer costas.
- O que é ato falho?
- É eu não ter falado de suas coxas antes.
- Ah, tá.
- Você não tem anos suficientes nas costas para entender o que é o medo de não perder nada. Você é muito nova. Qualquer coisa que perder é tudo para você.
- Eu sempre me perco no centro da cidade.
- Você parece safa demais para isso.
- É que tem ruas demais. Por isso que eu gosto de praias.
- Eu também gosto delas. Planas. Limpas. Com um horizonte vasto e vazio como velhas lembranças.
- As suas são vastas e vazias?
- É o que tenho medo de descobrir. Carreguei essas coisas comigo tanto tempo que agora tenho medo de conseguir me livrar do meu passado.
- Não entendi direito, mas tenho a impressão de que deveria ser o contrário.
- Tudo sempre deveria ser ao contrário.
- Você queria ser mulher?
- Não.
- Por quê?
- Você não teria vindo conversar.
- Eu não vim conversar, eu vim beber.
- É a mesma coisa.
- Bem que eu sempre desconfiei.
- Difícil acreditar, você é tão confiante.
- Eu confio em você.
- Seu pai não aconselharia.
- Ele tá pescando, ó lá, chegou meu tio.
- Se ele está pescando, não era um peixe que deveria ter chegado?
- Peixe não traz cerveja.
- Nem eu.
- É. Você traz cachaça pra tacar fogo e não taca fogo.
- Você a está bebendo.
- É que eu quero os quadrinhos.
- Pode ficar com eles.
- Oba.
- Vai lê-los com cuidado?
- Não, vou tacar fogo neles.
- Isso eu posso fazer.
- Ler também.
- Mas não me encantar mais.
- Eles são encantadores?
- Quando você os vê pela primeira vez.
- Que nem eu?
- Exatamente como você.
- E você acha que eu perderia o encanto?
Marcos pára e sorri.
Uma pequena pausa.
- Nunca.
- Eu sou melhor que os quadrinhos?
- Infinitamente. Você respira, vive e abre garrafas com os dentes. Você dança e rodopia. Você fala. Você muda. Como todas as pessoas.
- Você muda?
- Mudo.
- Então por que está com medo de não sentir falta do seu passado?
- Porque eu preferia não mudar nunca. Eu preferia ser como o Spirit.
- Quem é o Spirit?
- É um dos gibis que eu estou lhe dando.
- E o que que tem ele?
- É um personagem fantástico, uma tremenda criação do Will Eisner. Ele tem um ajudante negro, o Ebony, e um policial que o ajuda, o comissário Dolan. Ele está para o Spirit como o comissário Gordon para o Batman e o coronel Cintra para o Mickey.
- E a Minnie?
- A Minnie dele é a Ellen Dolan, filha do comissário Dolan.
- Ah, legal, é prático.
- É. E ele nunca mudou. Desde que o Will Eisner o criou, nos anos 40. Mesmo depois que ele parou de ser publicado, no começo dos anos 50. Nem quando ele mergulhou na obscuridade, nem quando ele foi esquecido. E nem quando foi redescoberto. Nos anos 60 os quadrinhos começaram a ser levados a sério como arte. E no começo dos anos 70 redescobriram o Spirit. Os estudiosos ficaram chocados - era uma historinha muitos anos à frente de seu tempo! E foram entrevistar o Will Eisner. Ele era a cara do comissário Dolan. E perguntaram a ele, "o comissário Dolan é parecidíssimo com você. É porque você se identifica com ele?". E o Will Eisner respondeu, "vocês não entendem? Quando eu criei o Spirit, era ele quem era parecido comigo. Eu criei o Spirit à minha imagem e semelhança, não o Dolan. Não o Dolan".
- E você parece com quem?
- Com o Tintin.
- Quem?
- Você vai descobrir se ler.
- Posso demorar. Aí você já vai estar parecendo o Haddock.
- Você mentiu!
- Não. Não menti.
- É verdade. Não mentiu.
- Eu não conheço você... pra que que eu ia mentir.
- Você já disse isso hoje.
- É que essa fogueira não começa.
- Você vai parar de beber a cachaça?
- Estou esperando o conhaque.
- Mas...
- Vamos misturar tudo.
O Marcos assente, lentamente.
E passa a garrafa pra ela.
Ela passa a cachaça pra ele.
Ele molha solenemente os trastes ajuntados antes de dar um longo gole na bebida ruim.
Rita prova o conhaque e faz uma cara horrível.
Marcos joga o resto da cachaça sobre as coisas e pega o fósforo.
O vento apaga o primeiro e o segundo antes que eles cheguem nos jornais molhados que ele arrumou para iniciar o fogo.
- Tá difícil?
- Eu tenho uma caixa inteira.
- Hm.
Ele tenta uma terceira e uma quarta vez.
- É o vento - ele se explica para ela.
- Pensava que o vento avivasse fogo.
- Não quando ele ainda não nasceu.
E um quinto. E um sexto.
Marcos desiste de tentar atirar o fósforo de uma distância segura e leva o sétimo protegido por uma mão em concha até bem próximo dos jornais enrolados.
- Não tem medo de se queimar?
- Tem muita água aqui. E areia.
O fogo irrompe de repente. Ele se afasta.
- Água mudando e batendo, mudando por sua vez a areia, carregada também pelo ar, pelo vento. E o fogo. Me dá um gole do conhaque. Vamos comemorar que juntamos os quatro elementos.
- Não são cinco?
- Cinco?
- É.
- São quatro.
- Cinco. Você não viu "O Quinto Elemento"?
Marcos observa a morena de olhos verdes que abre garrafas com os dentes e sabe-se lá o quê poderia fazer com as unhas.
E pensa no filme, no simpático filme de Luc Besson.
Enquanto Rita levanta a mão num sugestivo aceno para ele.
E ele pensa que muito, muito pior do que não sentir falta do passado é não sentir falta do futuro.

agosto 21, 2009

A Intrusa

Hoje cheguei em casa
E encontrei uma mulher que não estava lá

Ela também não estava lá no dia seguinte
E nem no outro e nem no outro

Ó, Senhor, será que algum dia ela irá embora
E finalmente me deixará só?

agosto 18, 2009

Beware Robot-Man!!!!


O arquiastro Luiz Henriques Neto, que, por coincidência é o blogueiro, estará estrelando a superprodução PIMENTÍPOLI, de Eduardo Souza Lima (crítico de cinema e diretor do longametragem RIO DE JANO), com Arnaldo Bloch, Rose Lima, José Paulo Cuenca, Fernando Gerheim e outros, incluindo a última aparição nas telas da tragicamente recém-falecida tilápia do Parque Lage. E, no principal papel feminino, ombreando-se com o magnífico protagonista, Patrícia Evans, cantora, atriz e escritora, por coincidência, irmã do blogueiro.

O curta faz parte de uma trilogia, da qual outra parte, TERRAPLANA, também será exibida na sexta com PIMENTÍPOLI, no TEMPO GLAUBER, às 19h00m, na rua Sorocaba 190. A entrada é franqueada.

Dorival Júnior Não é Retranqueiro

Que ele seria foram as acusações que eu li no blogue do Vasco. Mas interneteiros torcedores de futebol costumam ser exaltados e pensarem com as tripas. O Vasco vem dominando quase todos os jogos que fez no ano - inclusive contra o Corintians, pelo menos lá em Sampa - e vem esbarrando na falta de gente com poder de decisão, que receba a bola, divida, se atrapalhe, mas conclua a jogada, de preferência com o gol. Algo como o Élton fez no gol do Adriano contra a Portuguesa. Pena ser tão raro. Na maioria das vezes ele perde as chances quando a oportunidade é muito mais clara.

A galera também esquece que o Vasco tem um time cheio de jogadores de poucos recursos, que compensam com dedicação e às vezes inteligência. Se o Elton, com aquele tamanho, aquela movimentação e aquela clareza de raciocínio ainda fosse habilidoso certamente não estaria em São Januário. O Dorival armou o ataque vascaíno baseado na mobilidade, velocidade e inteligência de um dentista quase formado de uma tradicional família de dentistas, o Pimpão. Tudo bem, é outro sujeito incapaz de decidir a não ser que a oportunidade seja claríssima, mas seus constantes deslocamentos pelas duas pontas e combinação com os laterais foram o arcabouço do esquema ofensivo cruzmaltino até sua contusão. Como sempre acontecia antes do Lídio Toledo ser o médico do Vasco, qualquer contusão no time agora leva dois, três meses pra recuperação. Por uma incrível coincidência, o mesmo médico de agora, Clóvis Munhoz, foi quem antecedeu o Lídio.

Mas, voltando ao esquema. O Vasco vem jogando sem o pivô de seu ataque, sem o lateral direito e contra a Lusa sem o esquerdo também. Simplesmente desmontou-se todo o ataque rápido e ágil (mas sem grande poder de decisão) da equipe. Falta alguém ainda que receba a bola na quina da área e a chute, com força e precisão, em vez de tentar cortar pro meio e ser desarmado. Esse tipo de artilheiro, saca? Mas pelo menos o time tem personalidade e normalmente se impõe contra qualquer adversário. Retranqueiro não tem nada a ver.

Um Celular com Câmera



E houve um tempo em que tatuagem era coisa de marginais e outsiders...

agosto 15, 2009

Uma Tarde no Aterro



Esquete para Dr. Porão e os N. Franks

O grupo de música e humor da minha irmã. Este seria um esquete para o show Dr. Porão Tevê a Cabo - DPTV.

locutor
O canal DPTV seriados apresenta o novo líder de audiência nos EUA! Hospital DPTV!

entra um médico acompanhando um paciente na maca. A mulher do paciente está preocupada enquanto o médico procura por algo com o estetoscópio.

mulher
Doutor... quais são as chances do meu marido?

o médico cobre o paciente com um lençol.

médico
Eu diria que são poucas...

mulher
Oh! Doutor, eu estou tão abalada... quer transar comigo?

médico
Só se for agora.

os dois saem. A maca é retirada.

locutor
Hospital DPTV... Onde se aposta uma corrida perdida contra a morte...

uma enfermeira entra carregando um acidentado deitado numa maca, correndo, apressada, assustada...

enfermeira
Doutor, doutor, temos um acidente de carro!

entra o médico. tanto o médico quanto a enfermeira estão usando máscaras cirúrgicas.

médico
Ei, mas isso não é um carro!

enfermeira
Claro que não, doutor, este é a vítima!

médico
Ainda bem, porque isto não é uma oficina... se fosse, estaríamos todos ricos, não é, ha, ha, ha?

o médico olha para a enfermeira, que não está achando a menor graça.

médico
(CONSTRANGIDO) Bem, vamos ver então sua vítima... (EXAMINA A VÍTIMA) Hmm... veja isso... dois profundos buracos no nariz... e, céus, veja que talho enorme e profundo aqui, debaixo do nariz!

enfermeira
Doutor... isto são as narinas do paciente... e esta é a boca.

médico
Você está tentando me ensinar medicina, enfermeira?

enfermeira
Não, senhor, mas...

médico
Então que história é essa de "boca"? Veja só que ferimento horroroso... os ossos debaixo dele estão todos quebrados...

enfermeira
Estes são os dentes, doutor...

médico
E veja como a área em redor do talho está vermelha e intumescida!

enfermeira
Doutor, estes são os lábios...

médico
Ha, ha, ha, enfermeira, todos nós sabemos que lábios... hmmmm... intumescidos... ficam bem mais embaixo...

enfermeira
(IRANDO-SE) Doutor, o senhor está falando da boca do paciente! Isto não é um ferimento! Isto tem na cara de todo mundo!

médico
Deixe de bobagens, enfermeira! Isto é sério, é um caso de vida e morte! Se esta "boca" tem na face de todo mundo, por que não tem na sua, por exemplo?

enfermeira
Porque estou usando uma máscara!

médico
Uma máscara? Por quê? Por que você usa uma máscara dentro do hospital, enfermeira? Por acaso está roubando drogas do estoque do hospital para viciados?

enfermeira
É lógico que não, doutor!

médico
Como "é lógico que não"? Por que alguém usaria uma máscara no local de trabalho? Já imaginou, você entra num banco e estão todos mascarados? (APROXIMA-SE E FALA BAIXINHO E COMPREENSIVO PARA A ENFERMEIRA) Algum residente jogou ácido no seu rosto e por isso você fica vagando pelos subterrâneos do hospital?

enfermeira
Não, doutor, não é nada disso! (OLHA O PACIENTE)

mÉDICO
Então por que você usa uma máscara? Pode me contar, se você tiver uma deformação tão horrível quanto essa... "boca"... que tem no paciente!

enfermeira
Boca não é uma deformação horrível! É o que a gente usa para falar! Como você acha que estamos nos comunicando?

médico
Ué, não é telepatia?

enfermeira
Não, não é telepatia! Estamos usando a boca!

médico
Você usa um ferimento para emitir pensamentos?

enfermeira
Eu não estou emitindo pensamentos! Eu estou falando! Falando!

a enfermeira tenta tirar a máscara, mas ela está muito bem presa.

enfermeira
Droga de máscara... não quer sair...

médico
Calma... não precisa tirá-la... eu entendo que você queria esconder esta terrível cicatriz da... "boca"...

a enfermeira agarra o médico pelo colarinho.

enfermeira
(GRITANDO) Minha boca não é uma cicatriz, idiota! Este paciente não tem um ferimento no rosto e você não está se comunicando comigo por telepatia!!!!!

médico
Como é que você faz para gritar tão alto comigo com o cérebro?

enfermeira
Eu não estou usando o cérebro para me comunicar com você, mesmo porque você não tem nenhum! Nenhum! Nenhum!

médico
Você viu minhas radiografias?

a maquininha que faz "ping" do paciente começa a tocar alto. A enfermeira olha e esquece a discussão.

enfermeira
Veja, doutor, estamos perdendo o paciente! A maquininha que faz "ping!" está fazendo "pong!"

médico
É verdade! (MEXE NA BOCA DO PACIENTE) É o talho, eu não disse, veja! Há um corpo estranho aqui... deve estar infeccionado e supurado... é uma espécie de apêndice...

enfermeira
É a língua, doutor!

médico
A língua? Céus! Ele está mostrando a língua para mim? (GRITA PARA FORA DE CENA) Companheiros! O paciente está mostrando a língua para mim!

entram os restantes integrantes do elenco e correm para o paciente, cobrindo-o da vista do público e de porrada. ouvem-se "ais" e "uis" enquanto ele é barbaramente espancado. A enfermeira anda até um canto. O médico se aproxima.

médico
Algum problema?

enfermeira
Era verdade, doutor...

médico
O quê?

enfermeira
Eu realmente uso uma máscara porque um residente ciumento jogou ácido em meu rosto... eu ia ser a maior médica do mundo, agora fico aqui, rondando o subterrâneo do hospital, disfarçada de enfermeira...

médico
Mas por quê?

enfermeira
Porque eu o amo!

médico
Oh!

enfermeira
Isso tudo me deixou muito abalada, doutor... vamos transar?

médico
Tudo bem...

os dois saem de cena. uma máscara voa para o palco do lado de onde eles vieram!

médico
Oh! Então isto que é uma boca!

locutor
Hospital DPTV... onde é necessário uma decisão a cada momento...
uma paciente sentado na maca é empurrada para o palco. entra um médico.

paciente
Olá, doutor...

médico
Olá...

paciente
Por que essa cara, doutor, o que houve?

médico
Eu tenho algo muito sério para lhe dizer, sra. Atkins...

paciente
O que foi, doutor?

médico
É aquela mancha que vimos na sua radiografia...

paciente
O que tem ela, doutor?

médico
Era o que temíamos.

paciente
Não!

médico
Sim. Seu clitóris só tem seis semanas de vida.

paciente
Mas, doutor... Disseram-me que havia tratamentos. Laser, quimioterapia...

médico
A medicina tem seus limites, sra. Atkins...

paciente
E não tem como se fazer uma... prótese?

médico
Bem, temos algumas experiências nos Estados Unidos em que se implantaram pênis ridiculamente pequenos, mas ainda está em fase experimental e há poucos doadores...

paciente
O que foi feito do que era da Roberta Close?

médico
Ah, naquela época a doação de órgãos ainda não era compulsória...

paciente
Oh, doutor... Isso me abalou demais... quer transar comigo enquanto ele ainda está vivo?

médico
Como a senhora quiser, sra. Atkins...

os dois saem de cena e roupas voam para o palco.

locutor
Hospital DPTV... Onde o drama da vida e da morte se repete a cada minuto...

a sonoplastia dá o som de bip... BIP... aquela maquininha que faz ping. Outra maca entra, com o paciente coberto. O bip bip continua, mas vai ficando cada vez mais fraco. Até que ele termina e fica só aquele PIIIIIIIIIIII de coração parado. o Médico entra, se vestindo, preocupado. Tira o pulso do paciente. Bate no peito dele. Tenta ressuscitá-lo. Finalmente desiste e grita, para fora do palco.

médico
Avisa o Coiote! O Bip Bip morreu!

entra a enfermeira.

enfermeira
Oh, doutor, isto me abala muito. Quer transar comigo?

médico
Claro, sim, por que não?

os dois saem de cena. roupas voam para o palco.

locutor
Hospital DPTV! Estréia amanhã!

A Fronteira Final - A Primeira Temporada de JORNADA NAS ESTRELAS - A série clássica

pelo blogueiro convidado Roger Filósofo



O Ardil Corbomite

Anteriormente: A Hora Rubra


Por volta dos anos 1960, a teoria dos jogos estava apenas começando a ser divulgada fora dos círculos acadêmicos e militares. A novidade do assunto não impediu - pelo contrário - que os audaciosos roteiristas de Jornada nas Estrelas, ainda que intuitivamente, proporcionassem ao capitão da Enterprise a chance de por em prática algumas das estratégias sugeridas por autores como John von Neumann e Thomas Schelling, autor de The Strategy of Conflict (A Estratégia de Conflito, 1960) e nobel de economia de 2005. Eis que vai ao ar em novembro de 1966 O Ardil Corbomite – roteiro de Jerry Sohl -, episódio em que é lançada uma manobra que fará James Tiberius Kirk (William Shatner) famoso em toda frota estelar.




Tal ardil consistia em usar a comunicação de uma maneira eficaz, conforme sugestão dos teóricos dos jogos, para anunciar um recurso de dissuasão das intenções de ataque por parte de um outro agente adversário. A corbomite seria uma falsa substância supostamente instalada na nave que funcionaria como um dispositivo automático de autodestruição, cujo impacto atingiria mortalmente quem a atacasse. Algo como a máquina do juízo final do filme altamente recomendável Dr. Fantástico (964), de Stanley Kubrick.



Ao transmitir essa informação à superpoderosa nave Fesarius – de uma desconhecida civilização pertencente à chamada Primeira Federação - que o ameaçava, Capitão Kirk cria uma atmosfera de incerteza sobre a sua verdadeira eficácia, modificando o cenário do jogo de estratégia que vinha enfrentando até então contra a figura do “temível” Balok (Clint Howard, irmão caçula do diretor Ron Howard, de Uma Mente Brilhante, O Código de Da Vinci e Anjos e Demônios). Em vez de xadrez – um jogo de informação perfeita, onde todos sabem em qual posição se encontram e o estoque de movimentos disponíveis até o final da partida -, agora a situação muda para uma configuração típica dos jogos de carta como pôquer. Transformando a negociação em um jogo de informação imperfeita, sem serem capazes de prever cada passo dos agentes envolvidos, as partes não conseguem mais ter certeza sobre qual será o próximo lance que devem tomar e quais resultados alcançarão, tornando possíveis estratégias como blefar.



Na ficção, tudo soa a uma brincadeira de criança disputada por adultos ou civilizações avançadas. Mas durante as décadas cruciais que se seguiram à Segunda Guerra Mundial, a humanidade testemunhou a Guerra Fria travada por duas potências nucleares, com lances mirabolantes da corrida armamentista. Falsas ogivas nucleares e armas estranhas (alguém se lembra da bomba de nêutrons) que nunca saíram do papel eram anunciadas apenas para provocar maior desgaste e apreensão de lado a lado. O projeto “Guerra nas Estrelas” foi um dos últimos movimentos articulados, nesse sentido, que muito contribuiu para a derrocada final da antiga União Soviética (URSS), exaurida economicamente em 1989.

A tática da dissuasão é uma das muitas estratégias de conflito que são analisadas por teóricos dos jogos. A teoria dos jogos que começou suas pesquisas com “ingênuos passatempos”, como xadrez e pôquer, se tornou uma poderosa ferramenta à disposição das ciências mais avançadas, seja na biologia evolutiva ou na inteligência artificial. Jornadas nas Estrelas, na esteira de alguns visionários, fez representar neste episódio, como também em Um Gosto de Armagedom, os recursos que um estrategista habilidoso pode empregar para vencer a guerra ou manter a paz. Como já sabia o filósofo inglês Thomas Hobbes, o medo da guerra generalizada de todos contra todos leva os seres racionais a buscarem um acordo e abrirem mão de se destruírem uns aos outros. A corbomite, mesmo sendo um blefe, é um bom exemplo como a comunicação pode ser utilizada com inteligência para dissuadir os beligerantes e convencê-los das vantagens de uma paz duradoura. Sobretudo em ambiente de incerteza, no qual o equilíbrio das forças e o temor do aniquilamento mútuo são conceitos chaves para o entendimento das imprevisíveis consequências de uma batalha real.

Um Celular com Câmera na Rio Branco











agosto 14, 2009

Se Nada Mais Der Certo

Crítica publicada originalmente na Revista Zé Pereira durante o Festival de Cinema do Rio de 2008:

Rapaz, estava falando ainda outro dia, na crítica do “Vingança”, do povo que cresceu nos anos 80 vendo filme noir, lendo Bukowski, então sendo lançado aqui pela Braziliense, e colecionando as primeiras “graphic novels” a aparecer nestas plagas, e de como suas tentativas de contar histórias transpondo o herói sensível, cínico e ultra-romântico que eles tanto admiravam para as telas trouxe resultados aquém do esperado. Pois não é que 20 anos depois finalmente eles estão conseguindo?

E a influência desses ícones aí em cima no “Se nada mais der certo”, de José Eduardo Fonseca, é tanta que em dado momento os personagens se embebedam com a ajuda da “vodka Bukowski”. O velho Buk não tinha simpatias por povo de classe média metido a ser verdadeiro marginal, como o jornalista duro protagonista do longa, mas a coisa (quase) toda é tão bem feita que consegue desviar-se da auto-exaltação e da auto-piedade, as armadilhas escondidas na folhagem de quem resolve contar uma história seguindo com esse tipo de herói.

Sim, porque o jornalista que Cauã Reymond defende bem é claramente alter ego dos criadores e figura de identificação da platéia. Vez por outra o roteiro escorrega em seu romantismo ético, como quando deixa claro que ele não se deita com nenhuma das duas mulheres de quem passa o filme cuidando, uma delas inclusive morando com ele, uma moça bem neurótica, e não é pra menos, o sujeito por quem ela obviamente sente atração não toma nenhuma atitude...

Mas isso é detalhe. Usando a hoje em dia já tradicional câmera de vídeo tremida e desfocada e edição nervosa, a fita segue a vida de alguns personagens que se encontram por acaso – a moça de sexualidade duvidosa que faz alguns aviões, um taxista depressivo, o jornalista duro, e como eles formam uma família postiça. O jornalista volta e meia mostra romantismo e dignidade demais, como quando faz um discurso contra se vender à sociedade de consumo (felizmente de apenas umas duas linhas) ou não consegue desempenhar quando um amigo patrocina uma ida ao bordel, mas a vontade dele de fazer amizade com todo mundo e a óbvia alegria que ele e os outros habitantes da fita sentem em companhia um dos outros conseguem nos vender esse universo fílmico de desajustados felizes por encontrar seus iguais.

Como sói acontecer nos filmes noir e graphic novels que influenciaram os criadores de “Se nada mais der certo”, a história acaba descambando para crimes, aventuras e armadilhas do destino. A trama é bem recheada de incidentes e não se detém muito em nenhum deles a ponto de nos fazer pensar em sua verossimilhança ou se são tão importantes, mantendo nosso interesse e atração. E, importante, mantém o ar regional, escapando de outro erro normal nesse tipo de fita, a exposição da alienação do artista, incapaz de se libertar da influência da cultura americana, presente o tempo todo, é claro, mas filtrada por olhos de metrópole do terceiro mundo.

agosto 08, 2009

Física um Quanto Romântica (Segunda Versão)

Num átimo
A tomo

Moleca
Te faço mulher

De átomo
Te faço molécula

A Fronteira Final - A Primeira Temporada de JORNADA NAS ESTRELAS - A série clássica




A Hora Rubra

Anteriormente: Demônio da Escuridão



Um supercomputador controla uma sociedade de gente passiva (epa!), onde qualquer dissidência é punida com uma morte bizarra. Completamente dependentes da máquina, as pessoas perderam sua criatividade e sua vontade, e sua única esperança está em um superagente estrangeiro ousado e aventureiro, que desafia o cérebro eletrônico com jogos de palavras. Epa, peraí, da última vez em que eu vi essa história ela se chamava “Alphaville” e era um clássico sci-fi da nouvelle vague!

É a segunda vez (a primeira foi com “O Estranho Charlie”) que Jornada nas Estrelas se apropria claramente de um marco recente (à época) da ficção científica, e talvez não por coincidência, “A Hora Rubra” é a segunda trama engendrada por Gene Roddenberry, embora ambos os roteiros finais tenham sido redigidos por outros. Apesar de ser o criador da franquia e já ter no currículo montes de scripts pra televisão, alguns críticos põem Roddenberry entre os piores escritores do seriado – ou pelo menos de suas primeiras duas temporadas (a terceira é confessadamente um lixo em quase sua totalidade).



Sendo “Alphaville” uma obra prima de Godard e “A Hora Rubra” um programa de tevê americano, Roddenberry despe o primeiro de poesia, estilo, angústia, existencialismo e diálogos curtos e cínicos e até de seu futurismo. Por óbvias razões orçamentárias, a cidade dominada pelo cérebro eletrônico tem um aspecto de século XIX da Terra, o que permite filmar em um cenário dos muitos seriados de bangue-bangue da época, aproveitando também os figurinos. Por algum motivo inexplicado, entretanto, na primeira e instigante cena, Sulu apareça trajado como se foragido da Guerra da Independência americana, com o chapéu dele tendo três pontas, tendo três pontas o chapéu dele, se não tivesse três pontas não seria o seu chapéu.

A novidade de ver nossos heróis num espaço urbano aberto, mesmo que numa cidade cenográfica, depois de tantos planetas pintados em fundo de estúdio, é refrescante. A considerável quantidade de extras também areja o episódio de forma ainda não vista até então, com ajuda de uma direção acima da média da série, tirando bom proveito dos recursos à disposição. E os primeiros quinze minutos são de fato interessantes e instigantes, mas depois o enredo enigmático se torna previsível e simplesmente deixa-se de lado um monte de subtramas aparentemente importantes. Por que um dos personagens é imune à “absorção”? O que tem a Archon a ver com a história? Como a Enterprise não detetou o supercomputador? Por que o mais famoso e talentoso dos atores convidados, Torin Thatcher, o vilão dos filmes de Sinbad, tem um papel tão pequeno?



E, principalmente, o que é a Hora Rubra do título? Logo no começo do episódio há um festival de doze horas em que os nativos passivos e visivelmente reprimidíssimos – eles parecem suados e com olheiras pelo esforço – dão vazão a todos os seus instintos e começa uma gigantesca suruba. Ninguém é de ninguém! Numa sombra projetada na parede parecemos ver uma trepada ali em pé mesmo. Antes que sobre pra eles – e não antes de Kirk receber um beijão na boca – o povo da Federação se refugia numa casa onde está o pai de uma moça, Tula, que haviam conhecido. Para surpresa de nossos heróis, o pai não está nem aí pra filha surubando lá fora. Os companheiros dele inclusive urgem a galera da Enterprise a se juntar à orgia, pois eles “ainda não são velhos o suficiente” (i. e., broxas) para serem liberados do festival”, o que só prova que no século XXIII o Viagra e seus congêneres ainda não dominaram o Universo.

Ao amanhecer, a farra acaba e Tula volta para casa descabelada e chorando desesperadamente, sendo posta pra dormir por McCoy. E fim. Não se fala mais nisso nunca mais. A ideia de uma sociedade reprimida tendo que dar vazão a seus desejos de alguma forma é interessante (e coerente, não por coincidência as pornografias alemã e japonesa são das mais fetichistas e pervertidas do planeta) e renderia um bom caldo, mas quando começamos a nos interessar pelas consequências, com o desespero de Tula, e ulterior desenvolvimento da trama, presto, zé finito, acabou. Tão largado ficou esse conceito que foi reciclado pra sociedade vulcana no episódio da segunda temporada “Amok Time” (para os trekkers, aquele em que Spock fica no cio).



Depois disso temos o povo da Enterprise sendo caçado pelos nativos, sem vontade e lentos, sendo derrubados pelos phasers (para atordoar) de nossos heróis e fazendo-nos imaginar como tais aparelhos seriam bastante úteis em filmes de zumbis. George Romero criaria o gênero em sua encarnação contemporânea apenas dois anos depois, mas os americanos já estavam na guerra do Vietnã e já estavam simbolizando a emergência de rebeliões do terceiro mundo com criaturas que andavam devagar, pouco ou nada falavam e cujo único objetivo era destruir americanos (ou federados). Tão óbvia é a metáfora que zumbis voltaram com tudo à moda depois dos ataques terroristas de 2001.



E, ao fim, Kirk e Spock recusam-se a fazer parte da grande comunidade pacífica criada e supervisionada pelo supercomputador depois que guerras violentíssimas quase destruíram toda aquela raça humanóide 6000 anos antes. Essa pacificação à força poderia refletir as ideias de Toynbee de que as civilizações, depois de conflitos horrendos, são unificadas pelo único competidor ainda de pé, começando sua decadência tentando preservar uma cultura falida (pense em Roma depois das Guerras Púnicas, a Grécia na mão da Macedônia depois da Guerra do Peloponeso, a China depois dos Quatro Estados Beligerantes ou o Japão depois das guerras dos clãs no século XVI – ou mesmo a Europa depois do combo I/II Guerra Mundial).

Mas nem, é apenas mote para Kirk e Spock, imbuídos da incondicional defesa do individualismo tipicamente americana, provarem ao cérebro eletrônico, numa cena particularmente mal redigida, que ele está tolhendo a criatividade e impedindo o desenvolvimento do potencial de seus protegidos e, portanto, não lhes fazendo bem, ao contrário do que recomenda sua programação. Ficamos esperando ele berrar “não tem registro, não tem registro” enquanto começa a soltar fumacinha, mas fica só na fusão de circuitos mesmo.



Ao fim, o que fica na memória do episódio não é o risível confronto final – até os Monkees e Josie e as Gatinhas fundiriam computadores com jogos de palavras – e nem o plágio de Alphaville, mas as poderosas imagens (e caras, com um monte de extras devidamente paramentados de século XIX) da suruba da Hora Rubra e da perseguição dos zumbis, antecipando o seminal “A Noite dos Mortos Vivos” e sublinhando que qualquer utopia deve ser conseguida não com a supressão e repressão dos instintos e conflitos e sim, como na Terra de Kirk ou no Vulcano de Spock, através do reconhecimento da existência desses impulsos destrutivos e uma busca consciente e engajada de sua superação.

Digno de nota:

Contagem de corpos: um nativo.

- Pela primeira vez é mencionada a Diretriz Primária (erradamente traduzida como Primeira Diretriz) de não interferência em culturas não federadas. E pela primeira vez ela é ignorada por Kirk.
- Avistamentos de Tenente Leslie: ele desce junto com o grupo de terra e com ele permanece o tempo todo, apesar de não falar nenhuma linha de diálogo.
- Além de “Alphaville”, o crítico de cinema Glenn Erickson (www.dvdsavant.com) aponta que em 1964 há outro filme famoso em que um superagente estrangeiro ousado e aventureiro destrói uma utopia pacífica criada por cientistas bem intencionados: “Our Man Flint”, a primeira fita do Flint, com James Coburn. Some este episódio à lista, apesar de produzido em 1966.

A Seguir: Kirk aplica a teoria dos jogos para vencer um adversário... e o PHD em Teoria dos Jogos (é sério) Roger Filósofo analisa os riscos em... O Ardil Corbomite

agosto 07, 2009

Eu Sou um Babaca Que Não Faz Porra Nenhuma pelo Semelhante

O Rio de Janeiro nos anos 70 ainda não era uma metrópole globalizada. De dia faltava água e de noite faltava luz (lembro que faltou luz quando meu pai queria ver a chegada dos campeões de 70). Nós crianças invadíamos os quintais abertos das casas para lá fazer nosso forte apache e os donos da casa vinham nos trazer limonada. Seu Badia, em sua bicicleta triciclo com uma enorme caixa vendia pão para as donas de casa. O leiteiro deixava leite tipo C na porta das casas. As portarias eram abertas a qualquer um e com isso vendedores de enciclopédia e de visores 3-d tocavam sua campainha e alugavam você por horas. Um maluco local fazia pequenas compras e pequenos serviços para as donas de casa. A maioria das mães ainda não trabalhava fora, mas ainda assim mesmo classe média baixa como a gente tinha (nós, só nos tempos de vacas gordas) empregada que morava – real ou virtualmente - na casa. E uma vez, uma delas, chegada do interior, uma prima de uma empregada de alguém que queria que ela subisse na vida e a indicou para nós, tentou apagar a luz da sala subindo num banquinho e soprando a lâmpada. Não sabia como funcionava iluminação elétrica.

E não era só isso – a imensa maioria das empregadas domésticas era analfabeta. Mesmo nos anos 80, quando comecei a trabalhar no TRT, era muito comum que testemunhas assinassem seus depoimentos com a digital. Essa época passou. No Rio de Janeiro a chance de haver algum interiorano que não saiba como se apaga uma lâmpada deve ser próxima de zero. E mesmo os mais humildes sujeitos que vão depor conseguem pelo menos desenhar o nome com letra infantil. E, apesar das mães de classe média terem se enfiado no mercado de trabalho, a maioria delas passou a se contentar com uma empregada diarista que vai duas ou três vezes na semana, graças à difusão dos eletrodomésticos cada vez mais baratos e versáteis.

E justamente por causa de toda a parafernália eletrônica que começou a dominar nossa vida a educação dos pobres mudou. Eles passaram de alguma forma a ter televisão e ver que o mundo era maior do que sua vizinhança. Eles foram obrigados a se alfabetizar porque hoje em dia até auxiliar de serviços gerais tem que saber usar computador. Empregadas têm que programar a máquina de lavar, a lavalouça, o microondas e saber distinguir o iogurte light do comum no supermercado.

O problema é que o serviço ficou pela metade. Ensinaram-nos a ler, mas não a escrever. Ensinaram-nos que havia um mundo lá fora, mas não que também pertencia a eles. Ensinaram-nos o suficiente para que eles percebessem o que estavam perdendo e o que nunca teriam. Como fizeram com sua cidadania. Deram-lhes o direito de votar – nada mais - e agora reclamam que eles elegem parlamentares suspeitos. Não é coincidência que o grande crescimento das favelas se deu a partir dos anos 80, quando, primeiro, voltaram as eleições livres e diretas, a partir de 1982, e depois quando deixaram até mesmo analfabetos votarem. Antigamente eles não tinham documentos, não tinham ideia, não sabiam que a verdade – ou melhor, a sociedade de consumo – está lá fora. Pois grande parte de sua instrução veio através da propaganda e do merchandising dos programas de tevê.

O mundo mudou, eles mudaram, mas nós continuamos os mesmos – gritando por muros e sonhando com hoje impraticáveis remoções de favelas, de preferência para o Rio da Guarda. E lembrando com nostalgia daqueles pobres humildes que tentavam apagar lâmpadas soprando-as e baixavam a cabeça quando o ônibus dos alunos do Santo Inácio passava por dentro da favela da Catacumba – pequena e com barracos de madeira.

Homer Flu

Alguém imprimiu no nosso jornal uma tabela do Brasileirão de cabeça pra baixo, então eu e o Sílvio achamos que íamos ver um jogão e fomos com nosso amigo tricolor Marcos ver Flu x Sport. Pra nossa surpresa foi mesmo um bom jogo, o tricolor deu de 5 a 1 no rubronegro e ainda encontramos o Garambone lá. O Marquinhos, animado com as contratações de Ruy e Roni - que jogou pra burro - já começou a entabular negociações com o Garamba pra fundar uma nova torcida organizada - a Homer Flu.

É Proibido Estacionar


Ao fundo vocês podem ver o que uma vez foi o maior estádio do mundo, mas que dentro de alguns anos provavelmente só vai ter espaço prum time de cada vez. Em primeiro plano, uma rua de casas com garagem e prédios baixos, residencial, cheia de vagas e essa enigmática placa aí. Justo quando ele é necessário, o estacionamento não pode ser usado. Parece perseguição aos motoristas. Ou então é pra fazer a felicidade dos reboques. Minha rua, por causa do agora badalado bar com roda de samba SABOR DA MORENA, vive com carro estacionado em cima da calçada. Mas nada de passar alguém pra pelo menos multar os infratores. Deve ser porque não é uma presa tão rica quanto o Mário Filho em dia de jogo.
Por falar nisso, fui a Lapa outro dia sem intenção de beber, então depois de um longo tempo fui dirigindo pra farra. Minha intenção era deixar o carro no mesmo estacionamento que deixo quando vou trabalhar no TRT da rua do Lavradio, que fica na rua dos Arcos, aquela em que se entra dobrando à direita na Mem de Sá logo depois de passar pelo Circo Voador. O estacionamento antigamente era da Coderte e a diária era de 5 reais, mas depois que o TRT se mudou pra lá passou à iniciativa privada e a diária custa 10 paus, mas tudo bem.
Pois qual não foi minha surpresa ao ver que uma patrulhinha proibia o acesso de carro à rua dos Arcos? Também pela rua do Lavradio não havia acesso e os três estacionamentos que lá ficam não podem receber carros. Nós motoristas ficamos à mercê dos flanelinhas, ao invés de deixarmos nossos veículos automotores em lugares cercados e vigiados, com pouca probabilidade de serem chutados, mijados ou arranhados e com muito mais privacidade prum sexo de emergência.
A única explicação em que consegui pensar: esses PMs estão mancomunados com os flanelinhas?

Deu hoje no Globo

Um padre foi preso no Recife por abusar sexualmente de um garoto de 14 anos no banheiro masculino da rodoviária.

Tentando se explicar, o homem de Deus culpou por seus atos o excesso de álcool.

É mole?

agosto 03, 2009

Mais uma tirinha de Xkcd (www.xkcd.com)


1. "Certo, mais alguma coisa antes de assinarmos o aluguel?"
2. "Estou preocupado por estarmos falando como se eu fosse um adulto responsável. Tenho quase certeza de que parei de crescer na adolescência e venho fingindo desde então."
3. "Por Deus, você está me confiando uma CASA! Eu ainda construo casinhas de LEGO de vez em quando!"
4. "Senhor, isso que o senhor está dizendo pode prejudicar o cumprimento do contrato de aluguel?"
"Eu não sei o que você acabou de dizer porque estava pensando no Batman."