junho 26, 2011

Por Que Desconfiamos de Polidez?

Sexta-feira o Dapieve em sua coluna comentou que não sabe o porquê de em nossa cultura ocidental a polidez ser vista com desconfiança, ao contrário do que acontece no Japão, por exemplo. Não tenho grandes experiências com orientais, mas nos anos 90 trabalhei com o Luiz Carlos Maciel num projeto com a Lucélia Santos pra tevê chinesa (que nunca saiu do papel, quer dizer, parece que virou um filme, mas também não sei se chegou a ser exibido em algum lugar). Trocar e-mails com os viventes do outro lado do mundo era uma experiência curiosíssima: aquelas caricaturas racistas que a gente vê em filmes e quadrinhos americanos de outrora não são tão exageradas assim. Só faltava eles nos chamarem de honorável (ou melhor, honolável) senhor Luiz. A cada crítica nossa, eles se desculpavam insistente e repetidamente. E depois continuavam suas vidas como se não tivessem ouvido nada do que faláramos. Quando alguns estiveram no Brasil, num jantar oferecido pela Lucélia, um deles, que aprendera português em São Paulo, elogiava meu texto e minhas tramas e, assim que eu virava as costas, começava a paquerar minha namorada. E não, eu não estava em crise de ciúme, a própria Fernanda é que veio depois me falar, “você sabia que aquele chinês que ficou lá conversando com você estava dando em cima de mim?”.

Basicamente, o problema com a polidez é que ela envolve palavras e gestos excessivamente floreados e ritualizados - e esse formalismo treinado esconde com perfeição as verdadeiras intenções das pessoas. Não necessariamente alguém educado e elegante está sendo insincero, mas o fato é que age como se assim fosse. Alguém que escolhe cuidadosamente suas palavras parece ter algo a esconder, ou que está criando uma história enquanto a conta. Ou pretende que seu efeito no interlocutor seja maior do que o conteúdo.

Setenta por cento da comunicação interpessoal é não-verbal (é por isso que interação digital via redes sociais jamais poderá realmente substituir o vis-à-vis). Ao bater um olho num vivente, você analisa inconscientemente seu gestual, seu modo de falar, sua gramática, seu modo de vestir. Se, no entanto, tudo isso está encoberto por um rígido formalismo impessoal, seu instinto básico é manter-se em guarda - daí a desconfiança.

O colunista do Globo também ressalta que sentiu-se tão à vontade no Japão quanto na Inglaterra por causa da polidez de ambos. E, não por coincidência, os dois são os únicos países desenvolvidos do mundo onde a monarquia ainda é uma presença simbólica fortíssima. O formalismo ajuda a hierarquizar as pessoas. Gestos e roupas são obrigatórios para indicar as classes a que os indivíduos pertencem. Bom exemplo são as pragmáticas da coroa portuguesa para manter a colônia em seu devido lugar, proibindo o uso de joias e sedas pelos nativos brasileiros e de sapatos pelos escravos. Quem essa gentinha pensa que é?

Portanto, há um bom motivo pra que nós, que herdamos pelo menos a ilusão de que somos todos iguais desde os gregos (explica isso pros escravos deles), termos desconfiança do excesso de polidez. Pros americanos, por exemplo, era a lembrança viva da nobreza inglesa e seus princípios antidemocráticos. Pra nós, normalmente, hoje em dia, é principalmente a separação do pensamento da ação. Ficamos desorientados, não temos como saber se o cavalheiro está sendo gentil, é gay ou está jogando o maior caô pra cima da gente. Seus gestos não o traem e cada palavra é cuidadosamente escolhida como um escritor forjando uma trama.

Fictícia.

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