março 18, 2012

Kalashnikov, a Voz do Terceiro Mundo

Originalmente publicado no blogue de história da Editora Record, editado pelo seu querido blogueiro.

Esqueça o Colt 45 ou a Winchester de John Wayne. A arma mais icônica do mundo atualmente é o Kalashnikov. Barato, resistente, leve e eficiente, o fuzil soviético tornou-se cinema de guerra irregular, guerrilha, insurgência e terceiro mundo. Dos vietcongues que derrubaram o mito da invencibilidade americana aos traficantes cariocas que deram uma boa lida nas instruções de Carlos Marighela, passando pelos israelenses, é quase impossível que alguém que tenha disparado um tiro em combate desde os anos 60 não tenha estado em contato com o formidável rifle, segurando-o ou sob sua mira.

O conceito por trás deste ícone armamentista é alemão e apareceu na II Guerra Mundial. A espetacular tomada de Creta por paraquedistas, apesar de seu brilhantismo, acabou custando muito caro. Os invasores nazistas, saltando de aviões e completamente sem apoio, não podiam carregar nada pesado, então estavam basicamente armados apenas com submetralhadoras (as famosas MP40), para ter volume de fogo. Mas, frente aos britânicos com metralhadoras de verdade e fuzis, as MP40 não tinham alcance para responder. Se os germânicos pretendiam continuar usando aquelas tropas de elite, era preciso armá-las com algo que pudesse atirar longe como um rifle e também ser capaz de rajadas.

O FG 42

A arma desenvolvida, o FG 42, apesar de sua eficiência, era pesada (virtualmente 5 quilos) e cara de produzir. A ideia de substituir a combinação fuzil-metralhadora era óbvia no bipé dobrável que servia para apoiar o fuzil quando atirando em rajadas. Caro de produzir, criado numa época em que os paraquedistas já não eram mais usados em assaltos aeroterrestres e os nazistas estavam tomando uma coça dos aliados e ficando sem recursos, o rifle teve pouco mais de 5.000 unidades produzidas. Sua obra-prima foi o resgate de Mussolinni, numa ação de comandos, para quem o FG 42 era o armamento perfeito.

Mas embora ele tenha surgido primeiro, ao mesmo tempo o exército estava criando a sua própria versão para uma nova e revolucionária arma portátil. Quando os cartuchos metálicos e as novas técnicas de metalurgia surgiram, os militares queriam mais e mais. Mais alcance, mais precisão e mais energia cinética, para manter o inimigo longe demais para que seus infantes pudessem usar seus rifles. Assim surgiram fuzis que podiam acertar um alvo a 800-1.000 m de distância. A Guerra dos Boêres, a primeira travada com esse novo armamento pareceu confirmar a utilidade dessas especificações.

Só que os generais de alto-comando esqueceram que os Boêres eram praticamente exércitos de caçadores. Ou seja, homens que usavam suas armas na vida civil e que aperfeiçoaram sua pontaria durante anos. Seguindo essa linha de pensamento, os britânicos obtiveram resultados espetaculares na primeira batalha de Ypres, onde a mira precisa de seus soldados causou o que os alemães conhecem como "O Massacre dos Inocentes" devido ao grande número de jovens voluntários abatidos. O problema é que as baixas que os ingleses sofreram também foram custosas - era necessário muito tempo para treinar fuzileiros tão bons, tempo indisponível numa guerra.

Conflitos importantes sempre acabam sendo travados por conscritos contra conscritos, homens recrutados e treinados rapidamente para chegarem logo à linha de frente. No calor da batalha, sob fogo e explosões, com fumaça e detritos obscurecendo a visão, esses viventes teriam sorte em enxergar um inimigo a 800 metros, o que dirá acertá-lo com seus pouco exercitados dotes de atirador. Atingir um alvo a 200 metros seria uma estimativa muito mais realista.

Então, raios, para que alguém precisava de um cartucho tão poderoso quanto aqueles usados pelos exércitos todos? Submetralhadoras, que utilizavam munição de pistola, não tinham alcance e potência suficiente. O ideal era partir para uma alternativa, algo entre os dois, com força suficiente para um tiro de precisão e para rajadas.

Com um cartucho menos potente, a arma não precisava ser tão pesada. Quando disparada em rajadas, o coice não seria tão forte a ponto de tornar a mira inviável. Mais leve, seria mais prática de manusear uma vez atingidas as trincheiras adversárias, com o tiro automático, mais inimigos poderiam ser abatidos com mais felicidade. Enfim, o rifle perfeito: eficiente na defesa e podendo ser usado como uma submetralhadora, uma baioneta de longo alcance, no ataque. Mesmo quando defendendo, rajadas curtas poderiam aumentar a chance de atingir o soldado adversário que avançasse. No entanto, foi sua ótima adequação ao ataque que deu o nome ao rifle assim criado: fuzil de assalto.



A nova arma recebeu a denominação MP44. MP de Pistola Automática (ou submetralhadora), porque a ideia de se criar um novo cartucho havia sido vetada por Hitler, dadas as dificuldades de logística. E Hitler podia ser muito desagradável quando contrariado. No entanto, o rifle, enviado em pequenos números à frente oriental, fez tanto sucesso que inúmeras requisições do novo armamento começaram a chegar às mesas do alto-comando. E, mesmo descoberta a infração cometida, os responsáveis sobreviveram para contar a história. E o MP-44 recebeu seu nome correto, Stg 44, ou Fuzil de Assalto (modelo) 1944 (continua).

Sem comentários: