setembro 11, 2012

Après Moi, Le Déluge



O vídeo acima contém o áudio do final de "Guerra nas Estrelas" sobreposto a imagens de um velho filme da II Guerra Mundial. Obra de um engraçadinho com muito tempo nas mãos? NÃO! A mais emocionante sequência de "Star Wars" na verdade foi claramente baseada no ataque de um esquadrão de Lancasters que fecha uma excelente fita de 1955 e recria uma das mais ousadas e bem-sucedidas missões de bombardeio da II Guerra Mundial - o ataque às represas do Ruhr.

Essas hidrelétricas alimentavam de energia a região onde mais se concentravam as indústrias do III Reich. Desativá-las atrasaria, e em muito, a chegada de novos tanques, aviões e canhões à frente de combate. Além disso, elas eram fracamente defendidas, o que convidava a um ataque aéreo.

Mas havia razões para sua diminuta malha antiaérea. Consideravelmente dentro de território controlado pelos nazistas, cercada de montanhas e com boa cobertura de radar, as empresas do Ruhr ficavam num terreno pouco convidativo a um esquadrão de aparelhos grandes o suficiente para causar danos.

Mas a versatilidade dos Lancasters logo fez gente graduada no Alto Comando inglês começar a pensar numa maneira de sobrepujar esses obstáculos. Capaz de voar baixo o suficiente para escapar aos radares e seguir os vales entre as montanhas, o quadrimotor, especializado em missões noturnas, seria certamente capaz de chegar ao alvo. O problema era o que fazer uma vez lá.

Represas são coisas grandes e maciças, estando entre elas as maiores obras já erguidas pelo homem. As do Ruhr não eram exceção. Uma bomba atirada do alto, na superestrutura, não causaria danos suficientes para rompê-la. Um torpedo não chegaria até o alvo, pois a água estava repleta de redes e obstáculos que os deteriam. O ideal seria jogar um petardo que deslizasse pela superfície da água até chegar bem perto de suas paredes, onde desceria até suas fundações para só então explodir (ao contrário do que normalmente se pensa, a água não abafa explosões, mas sim as amplifica em distâncias menores, concentrando as ondas de choque; se duvida, pergunta a um tripulante de submarino se é divertido quando cargas de profundidade detonam próximo à sua embarcação).

Impossível para a tecnologia da II Guerra? Não para Barnes Wallis, um dos primeiros projetistas de munições a pensar explosivos, canhões e granadas como componentes de um todo maior do que a soma das partes. O comportamento necessário para a bomba proposta remetia diretamente àquelas pedrinhas que atiramos na superfície de um lago e saltam várias vezes antes de afundar. A solução então seria exatamente jogar um petardo - desde que com movimento giratório - que saltaria ao bater na água até chegar à parede da represa.



Wallis pensou inicialmente numa esfera, com comportamento aerodinâmico mais previsível, para a forma de sua criação, mas por motivos práticos acabou fazendo dela um tambor. Um mecanismo especial ligado diretamente aos sistemas do avião faria a bomba girar a 500 rotações por minuto. Wallis calculou que, para seu plano funcionar, ela teria que ser atirada a 20 metros de altura, a uma distância predeterminada.

Clicando na imagem e ampliando-a, fica claramente visível o mecanismo que fazia a bomba-tambor girar para quicar na superfície da água

O vídeo acima mostra cenas reais da bomba saltadora quicando até seu alvo; são tiradas do treinamento e do teste. As duas luzes convergentes são do engenhoso sistema para acertar a altura: dois refletores em um ângulo determinado focalizam um em cima do outro quando a 20 metros da água. Para saber quando chegada a hora de soltar a bomba, duas varetas verticais no painel de controle deveriam ficar, na visão do piloto, exatamente sobre as torres da represa. Moleza.
Esquema do bombardeio às represas

O ataque aconteceu em 1943 e foi quase perfeito. O vale do Ruhr foi inundado e a produção industrial alemã deu uma boa despencada. Os incidentes da missão, as aeronaves perdidas, os voos inacreditavelmente rasantes, a artiharia antiaérea enfrentada (no vídeo, parecem os lasers da Estrela da Morte, mas são apenas balas traçadoras; lembre que antes de "Guerra nas Estrelas", canhões laser no cinema costumavam disparar feixes contínuos), os aviões seguindo junto ao bombardeiro que iria lançar a carga apenas para distrair o fogo inimigo (como nos corredores da Estrela da Morte), tudo isso será assunto de uma postagem posterior com os emocionantes detalhes reproduzidos na fita de 1955, aqui lançada com o título de "Labaredas do Inferno" e que a galera que não assiste a produções preto e branco antigas talvez conheça como o filme que passa na televisão do astro de rock em "The Wall".


Depois dessa gloriosa missão, o 617o. Esquadrão de Bombardeio passou a ser oficialmente conhecido como "Dambusters" (demolidores de represas), adotando como lema a famosa frase de Luís XV (proferida em outro contexto), "après moi, le dèluge" (depois de mim, o dilúvio). Humor inglês é inimitável.



Mas, voltando ao assunto das películas, afinal, George Lucas estava homenageando "Labaredas do Inferno" ou simplesmente botando ideias dos outros para trabalhar para ele? Dúvida que divide o povo cinéfilo até hoje, como pode se ver (inclusive com cenas lado a lado ressaltando as semelhanças) no vídeo abaixo do Rotten Tomatoes. Em inglês, mas as cenas são bastante autoexplicativas.

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